segunda-feira, junho 28, 2010

A desinteressada candura ecotópica e o seu "flavour" ibérico...

Quando se trata de "conservar o ambiente", é vulgar ouvirmos nos últimos tempos os ecologistas utópicos lamentarem-se de que "a economia esteja a invadir o raciocínio conservacionista da natureza". Queixam-se eles, que só querem salvar o planeta, de um escrutínio crescente em nome da economia às políticas de financiamento da sua sublime causa... E lamentam-se, frequentemente, que nesses cálculos económicos dos seus escrutinadores se não contabilizam as "externalidades", que são os custos que as práticas tradicionais de exploração da natureza terão para toda a gente - tais como as despesas de saúde das pessoas intoxicadas pelas cinzas e fumos das centrais a carvão, os estragos na flora provocados pela chuva ácida, etc.
Não vou discutir hoje a economia das "externalidades", mas apenas notar que a própria necessidade da sua invocação resulta da natureza subsídio-dependente da ideologia ecotópica e da necessidade que ela tem, por isso, de convencer os decisores políticos a decretarem a transferência dos rendimentos do povo para a sua causa. Causa que será, como é apresentada, de uma desinteressada candura ambientalista e visando apenas o bem da Humanidade...

É por isso que o que pretendo apreciar hoje convosco é o tarifário criado em Portugal para as energias renováveis, e assim admirarmos juntos a candura do desinteressado propósito de salvação do clima planetário que lhe subjaz.
Como escrevi recentemente, o custo médio de produção para um investimento actual da energia eólica em Portugal remunerado a 20 anos com uma taxa razoável de 7,5% anda pelos 7,0 ç/kWh, e a presente tarifa que a remunera desde 2005 aparentemente fá-lo a 7,4 ç/kWh, mas verifica-se que na verdade o valor médio que lhe foi pago nos últimos 4 anos foi de 9.2, 9.49.5 e 9.3 ç/kWh (vd. gráfico anexo: o custo do kWh eólico deixou de facto de crescer em 2009).

O gráfico apresentado mostra que nos últimos dois anos, 2008 e 2009, o custo médio da geração PRE (que inclui as outras renováveis e térmicas "despoluentes") até excedeu o custo específico das eólicas; trata-se do efeito de um "sobressalto" tarifário na cogeração, que é depois da eólica o principal contribuinte para estes sobrecustos e também para a produção de electricidade, e de que falarei um dia destes.
O preço médio do kWh eólico tem andado, desde 2005, acima dos 9 ç/kWh apesar da tarifa média anunciada nunca ter sido superior a 7,4 ç/kWh . Vale a pena, por isso, analisar a legislação existente para perceber como permite ela esta situação (uma pedagógica explicação da fórmula de cálculo tarifária pode ser consultada aqui, e um exemplo de trabalho académico de síntese sobre o assunto é este).

O Decreto-Lei "fundador" do actual tarifário das renováveis foi o nº 168 de Maio de 1999, do Governo de Guterres, que previa desde logo uma actualização mensal com a inflação e um prazo de 12 anos (144 meses) de pagamento destas tarifas (com uma redução depois desse prazo). Porém, a referida actualização da inflação não era a referente à data de início de operação das centrais, mas sim à data fixa de Dezembro de 1998, e o Decreto-Lei do mesmo Governo que ano e meio depois o "aperfeiçoou", o nº 339-C de Dezembro de 2001, manteve a mesma data! E, por acréscimo, permitia que todas as centrais já em operação ou até mesmo apenas em construção pudessem optar por este novo regime tarifário...
Assim, só com essa "retroactividade" do cálculo da inflação, as tarifas indicadas no próprio Decreto de 2001 eram acrescidas em 10%, para as centrais que entrassem em operação naquela mesma data!

Merece entretanto a pena analisar os princípios invocados para as fórmulas tarifárias, já contidas no Decreto "fundador" de 1999 e que foram depois sucessivamente "aperfeiçoadas". A racionalidade invocada foi a dos "custos evitados" por as renováveis substituírem centrais poluentes: custos fixos de capital, custos variáveis de Operação e Manutenção (incluindo combustíveis), e custos ambientais.
Como as renováveis não substituem a construção de novas centrais, a parcela de custos fixos foi definida pequena, no caso de uma eólica típica apenas 0,24 ç/kWh.
A parcela de custos variáveis teve por referência o das termoeléctricas, e para a mesma eólica típica era de 2,49 ç/kWh em 1999. A soma destas duas parcelas dava uma quantia irrisória face aos custos de produção das renováveis, de modo que foi na parcela de custos ambientais evitados que se "ajeitou" a tarifa para dar o valor pretendido.
Desde o início que a parcela de custos ambientais tomou por referência o CO2 emitido por uma central de ciclo combinado a gás natural típica, mas o Decreto "fundador" de 1999, apesar de lhe atribuir o valor estrambólico de 74,8 €/ton. ( no mercado de "carbono" esse valor andava à época por 1/5 desse valor), não conseguiu adicionar mais que cerca de 2,77 ç/kWh às duas parcelas anteriores. A fórmula incluía ainda uma "compensação" pelas "perdas evitadas" nas redes, segundo o argumento de que a produção renovável é consumida na mesma zona onde é produzida e por isso evita as perdas no transporte pela rede e, conjugando a actualização da inflação, o valor resultante ficava (em 1999) pelos 5,65 ç/kWh, não excessivamente mais que o custo médio real de produção do kWh pelas centrais convencionais à época (perto de 5,0 ç/kWh). Porém, é claro que com tal valor nenhuma renovável era viável, e daí o "aperfeiçoamento" introduzido ano e meio depois pelo mesmo Governo (com a pontificação de dois novos Ministros: Braga da Cruz e José Sócrates).

O Decreto de 2001, com efeito, apenas adicionou à fórmula anterior um "coeficiente adimensional" arbitrário de reforço dos custos ambientais evitados, obviamente sem outra racionalidade que a pretensão de se obter um valor final "jeitoso". Assim, a parcela de 2,77 ç/kWh acima referida foi multiplicada por um "coeficiente" de 5/3, acrescentando 1,84 ç/kWh ao total já anteriormente somado e, com mais a "compensação pelas perdas evitadas" e a já mencionada "actualização" de 1,1 pela inflação desde 1998, no final de 2001 a tarifa para uma eólica típica estava em 8,19 ç/kWh - que, com a inflação verificada depois, atingiu em 2010 10,0 ç/kWh! E assim chegamos aos valores publicados pela ERSE para os últimos anos...
Este Decreto de 2001 diferenciou também, através do referido coeficiente arbitrário de multiplicação dos "custos ambientais evitados", as tarifas para as mini-hídricas e as fotovoltaicas, mas deixou de fora todas as outras (biomassa, biogás, etc) . E, para grande gáudio dos promotores de renováveis, eliminou o limite de 12 anos anteriormente previsto para a vigência da tarifa, que passou a eterna...!
Em Fevereiro de 2005 estava a tarifa da eólica típica em menção já com o valor de 9,0 ç/kWh, quando o Governo de Santana Lopes publicou nova legislação que a corrigiu, no Decreto-Lei nº 33/2005 de 16 de Fevereiro. Este Decreto foi detestado pelos promotores de renováveis por se justificar dizendo que "as medidas de promoção do aumento da produção de electricidade através de fontes renováveis não podem ser cegas à factura energética suportada pelos consumidores", e por ter introduzido as seguintes moderações na vaca leiteira que se criara:
  • A data de início de contagem do tempo para efeitos de actualização por inflação deixou de ser Dezembro de 1998 para passar a ser a do início de operação de cada nova central;
  • A parcela de "custos variáveis" evitados na tarifa subiu de 2,494 ç/kWh (na verdade, considerando a inflação na fórmula até aí praticada, 2,95 ç/kWh) para 3,60 ç/kWh, mas...
  • ... a parcela de "custos ambientais" evitados passou a considerar o verdadeiro preço de mercado da tonelada de CO2, 20 €/ton., e modificou os "coeficientes adimensionais" legislados em 2001, por um lado reduzindo para 7,36 ç/kWh a tarifa eólica total que já ia em 9,0 ç/kWh, como vimos, e por outro lado e pela primeira vez criando variantes que tornavam minimamente atractivas as renováveis das mini-hídricas, biomassa e biogás.
  • Foi proibida a acumulação de "incentivos" com os deste tarifário, nomeadamente o comércio de "certificados verdes", mas não ficando claro se isso também abrangia o recurso a fundos comunitários que tinham financiado até aí 20% das renováveis, e em muitos casos 40%.
  • Finalmente, este Decreto voltou a introduzir um limite de validade às tarifas oferecidas, 15 anos para uma eólica típica (com 25% de utilização anual) mas menos se ela tivesse uma utilização maior, o mesmo prazo para a maioria das outras renováveis e 12 anos para as fotovoltaicas típicas com utilização de 21%.
Este Decreto, porém, só se aplicava às instalações concessionadas após a data da sua publicação, embora limitasse a "apenas" mais 15 anos as chorudas condições do tarifário anterior. Em 2007, já com o actual Governo, a legislação anterior foi ainda retocada no sentido de aumentar as remunerações das renováveis de biomassa, biogás, ondas e sobretudo solar.
Entretanto, e dados os prazos de construção, as centrais que já obtiveram o licenciamento depois da promulgação do Decreto de 2005 só começaram a operar a partir de 2007, e é por isso que a inflexão no preço médio pago aos produtores só nesse ano começaria a estabilizar - além de que as concessionadas nos grandes concursos posteriores aceitaram descontos de 5%. Presentemente, pois, as tarifas pagas às eólicas típicas situam-se entre 10,0 e 7,0 ç/kWh, conforme a respectiva data de licenciamento. Os mais recentes custam relativamente menos mas, entretanto e dado o volume total da produção eólica, os custos adicionais de sistema começaram a subir exponencialmente, como a dissipação já ocorrida no Inverno passado e os projectos de construção de centrais de bombagem manifestam, assim como o disparo ocorrido nos investimentos nas redes da REN e de Alta Tensão na EDP!
Entretanto, convém recordar que sendo o custo de produção médio para investimentos actuais da ordem dos 7,0 ç/kWh para um prazo de amortização de 20 anos, é-o de 8,0 ç/kWh para prazos de 15 anos, mas os grandes pacotes concessionados pelo Governo de 1200 MW a 400 MW gozaram certamente de descontos de quantidade na aquisição das turbinas, assim como de ganhos de maturação na sua instalação e ligação à rede (que deverão ter reduzido aqueles custos de produção para uns 6,5 ç/kWh, com uma remuneração do investimento a 7.5% por 15 anos). Os projectos mais antigos, no entanto, gozaram em média de 20% de co-financiamento comunitário e de preços nas turbinas mais baixos, o que lhes trará em média os custos de produção para 5 ç/kWh, metade do que estarão a facturar...
Tudo ponderado e como estimei num post anterior, dos 720 a 750 milhões de € que custará este ano a produção energética de origem eólica (sem contar os custos adicionais de sistema), uns 200 milhões serão sobrecustos resultantes de proveitos concedidos acima da taxa de remuneração dos activos da REN e EDP. Compreende-se assim melhor a agressividade da reacção organizada que acolheu o Manifesto para uma Nova Política Energética...
Entretanto, vale a pena notar que a filosofia do tarifário português para as energias renováveis é muito semelhante à espanhola, embora esta tenha uma pequena parcela negociável em mercado e não invoque nenhumas falaciosas teorias sobre "custos evitados" para se justificar. Em Espanha, a tarifa definida em 2007 para as eólicas era de 7,32 ç/kWh por 20 anos (7,36 por 15 anos cá desde 2005), embora tivesse uma variação admitida, em função de parâmetros de qualidade técnica e comercial, entre 8,49 e 7,13. Já neste ano (2010) e certamente devido ao encarecimento do dinheiro para investimentos, essa tarifa foi actualizada para 7,75 ç/kWh (podendo variar entre 8,99 e 7,54). Como cá, as tarifas são actualizadas com a inflação.

Na Alemanha, pelo contrário, sendo o país que inventou este sistema de remuneração das tarifas, a respectiva filosofia foi estabelecida em 2000 no "Acto para as Fontes de Energia Renovável" e baseia-se na determinação "científica" dos respectivos custos de produção, assumindo uma taxa de remuneração de investimentos explicitamente igual aos 7-8% usuais na indústria. A Alemanha não permite, entretanto, o investimento em renováveis assim subsidiadas às empresas de electricidade tradicionais.
O tarifário alemão tem diversas características interessantes, manifestando a habitual racionalidade e competência técnica germânicas, mas as mais importantes são:
a) o seu período de validade é, em princípio, de apenas 5 anos, sofrendo depois uma redução acentuada que vigora nos anos seguintes;
b) A duração deste período de validade depende da qualidade do local e da utilização que este permite às turbinas; quanto pior o local,  mais longa a duração da remuneração inicial, por forma a manter os proveitos moderados mas garantidos - algo aproximado pela flexibilidade do prazo de 15 anos previsto cá pelo Decreto de 2005.
Em 2000, a tarifa de referência para locais de qualidade de referência (para os referidos primeiros 5 anos) era de 8,9 ç/kWh. Em 2004 era de 8,7 ç/kWh mas reduzindo-se para 5,5 ao fim de 5 anos; em 2007 era de 7,95 e, para 2009, foi elevada, como em Espanha, mas para 9,2 ç/kWh, provavelmente pelas mesmas razões (subida das taxas de juro), reduzindo-se para apenas 5.0 ç/kWh depois do referido prazo de 5 anos. Em condições de referência e ao longo dos 20 anos previstos de operação, a tarifa média é de 6,1 ç/kWh.
Um estudo de razoável qualidade do Instituto Fraunhofer (de 2004) compara os sistemas tarifários espanhol e alemão. A figura seguinte ilustra as consequências das diferenças que aquele estudo sublinha:

No sistema alemão, os lucros são as parcelas a laranja, enquanto no sistema ibérico, e sobretudo em Espanha desde o Decreto do Governo de Santana Lopes que limitou o prazo das nossas tarifas a 15 anos (20 anos em Espanha para tarifas semelhantes), os lucros são as parcelas a laranja + as a azul...
Como é evidente, o que o tarifário alemão garante é praticamente um lucro fixo para os produtores eólicos, independente do local de instalação; o benefício dos locais de melhores ventos vai para os consumidores.

E é nesta figura que melhor se exprime o "flavour" ibérico da ecotopia renovável...

2 comentários:

Anónimo disse...

Acho que neste momento já ninguém acredita no interesse utópico pelos passarinhos e peixinhos desta gente das eólicas.

Este país deve ser muito rico para permitir que estas sanguessugas continuem a sua parasitagem sem que ninguém se dê conta. Ou pelo menos se preocupe muito com isso. (pelo menos não ao ponto de escreverem uma carta a todos os deputados eleitos pelo seu distrito a discordar da política actual).

Desabafo: Custa-me muito que a parasitagem esteja a ser feita sobre as famílias portuguesas que neste momento atravessam uma fase muito difícil.

Anónimo disse...

o custo da energia é virtual

as permissas dos custos ambientais com base nas emissões de CO2 são virtuais, porque atribuem ao homem a responsabilidade de alterações climáticas (elas próprias virtuais, pois os mentores dessa teoria são incapazes de demonstrar que não passam de variações idênticas às que se verificaram várias vezes no passado deste planeta)

as decisões políticas baseadas nas permissas anteriores só podem ser virtuais

enfim ... são estas as virtualidades deste mundo "real"