segunda-feira, abril 12, 2010

Em O Público de hoje

Manifestamente necessário

Jorge Vasconcelos, que foi Presidente da ERSE entre 1996 e 2006 e que preside hoje a uma empresa de consultoria para as energias renováveis, publicou no passado dia 5 um artigo de opinião em que critica o anunciado “Manifesto por uma nova política energética em Portugal“ (com o título "Manifestamente errado").

A primeira injusta acusação que Vasconcelos dirige é a de ser um debate partidário, no sentido de partido político ou no de partido desta ou daquela forma de energia. Ora a múltipla ou ausente coloração política dos signatários do referido documento não justifica a alusão a inscrições partidárias!

Porém, o desejo manifestado por Vasconcelos de um debate sem partido quanto às formas de energia é que se afigura deveras curioso: um tal debate teria sido perfeitamente justificado em 1996 e até 2001, antes do famoso “programa E4” e da decisão do Governo de Guterres de encher o país de instalações eólicas sem a mínima promoção de estudos sistémicos nem de planeamento estratégico, nem de precaução quanto à incorporação sustentável de valor nacional nessas instalações. Nessa altura, porém e infelizmente, não se ouviu ao então Presidente da ERSE a manifestação desse desejo de debate nacional do assunto! E agora, que são patentes as impossibilidades técnicas e as desastrosas consequências económicas que tal política causou, agora que, como o próprio Vasconcelos reconhece, o actual Governo apresentou a “Estratégia Nacional para a Energia 2020”, sem que sejam conhecidos quaisquer estudos que a fundamentem e em que as metas anunciadas se configuram como o multiplicado desvario do que tem vindo a ser praticado, agora não é justo pedir um “debate sem partido”!

Os signatários do Manifesto têm, de facto, partido, em política energética! Não um partido anti-eólico ou anti-fotovoltaico como afirma Vasconcelos, mas um “partido” contra a falta de planeamento e contra a ideologia como guia de uma política em que a consideração das consequências técnicas e dos custos económicos estão ausentes! Ou seja, por uma base energética capaz de na prática poder contribuir para assegurar a competitividade e sobrevivência da Economia de Portugal. Aparentemente, uma preocupação que Vasconcelos nunca teve enquanto presidiu à ERSE!

No seu artigo, Vasconcelos cita alguns excertos do “Manifesto” para explicar “os erros” que, segundo ele, atestam a “falta de rigor” do mesmo mas que, de facto, demonstram é uma surpreendente incompreensão do comportamento sistémico de uma rede eléctrica por parte de quem foi o Regulador. É o caso, em particular, das suas observações sobre as consequências técnicas da intermitência das energias eólicas e fotovoltaicas, que têm obrigado a dissipar ou a exportar a preço nulo a produção renovável em excesso, ao mesmo tempo que exigem o continuado recurso frequente a importações de Espanha (e à disponibilidade de fontes complementares de energia, em particular de centrais de ciclo combinado que operam com gás natural importado). Vasconcelos afirma que estas afirmações “constituem um completo curto-circuito cerebral” e que se as exportações ocorrem a preço nulo é por ser esse o preço marginal do mercado a essa hora. Ora isto é uma verdade de La Palisse, mas é Vasconcelos que curto-circuita cerebralmente a verdadeira questão: porque se exporta essa energia, então? Porque se exporta uma energia que é paga ao produtor ao elevado preço médio de 9 ç/kWh, se o preço que o mercado está disposto a pagar por ela é nulo? Porque se faz este ruinoso negócio? É esta questão que Vasconcelos curto-circuita, esamoteando que tal ocorre porque a produção dessa energia, a certas horas e certos dias, excede a capacidade de consumo nacional mas não pode ser pura e simplesmente desligada nem se pode reduzir a tarifa subsidiada que desde 2001 é paga aos respectivos produtores, que estão assim completamente imunes às vicissitudes do mercado!
Aliás, Vasconcelos também curto-circuita na sua argumentação o facto desse excesso de energia eólica nem sempre ser exportado a preço nulo e ser pura e simplesmente dissipado (mas pago sempre aos respectivos produtores ao preço fixo referido), como aconteceu por exemplo em Dezembro passado, onde esse excesso de produção alimentou bombagens na central do Alqueva para depois esta ter de abrir as comportas e deixar vazar sem préstimo essa água, e com ela a energia armazenada (e bem paga)!

Por outro lado, além de mostrar não compreender que relativamente às necessidades do diagrama de consumos as mesmas fontes de energia renovável que por vezes produzem em excesso, outras vezes não produzem quase nada e é preciso recorrer a importações ou ao uso de novas e subutilizadas centrais termoeléctricas, o que é um problema técnico de desadaptação da produção intermitente ao diagrama de consumo, Vasconcelos escamoteia que a parcela importada de energia eléctrica anualmente consumida no país tem vindo cronicamente a crescer, contrariando a apregoada independência energética que estas formas de energia proporcionariam. A importação crónica resulta efectivamente da insuficiência da produção renovável nacional, e não de “razões económicas”, como afirma Vasconcelos. Estas determinam é a que horas do dia é essa importação preferencialmente feita, e não o seu saldo global anual!

Finalmente merece resposta a acusação de que “os subscritores do Manifesto não digam uma palavra sobre a ineficiência do Mercado Ibérico de Energia”. Este Mercado poderá não ser eficiente, mas a semelhança das mesmas políticas de subsidiação ruinosa à eólica e à fotovoltaica em ambos os países ibéricos é clara!

Pelo que, à acusação de que o Manifesto é “manifestamente errado”, estes subscritores respondem: que ele era manifestamente necessário!

José Luís Pinto de Sá
Luís Mira Amaral

8 comentários:

Anónimo disse...

Que curiosa esta opinião de Jorge Vasconcelos...

Até tinha algum respeito por ele por não ter pactuado com a criação do "deficit" tarifário na energia.

Mas passados 4 anos parece que a sua opinião mudou ou que deixou de analisar os assuntos com profundidade.

De facto a crítica ao manifesto tem falhas graves.

Se calhar encara este Manifesto como um ataque à sua subsitência (consultor na área das energias renováveis). Como de resto muita gente associada a este negócio também encara.

EcoTretas disse...

Sobre a questão do preço nulo, não deixem de observar: http://ecotretas.blogspot.com/2010/04/preco-nulo-na-exportacao-de-energia.html

Anónimo disse...

Porque se exporta uma energia que é paga ao produtor ao elevado preço médio de 9 ç/kWh, se o preço que o mercado está disposto a pagar por ela é nulo?


nem sempre ser exportado a preço nulo e ser pura e simplesmente dissipado (mas pago sempre aos respectivos produtores ao preço fixo referido)



Não existirá a possibilidade disto não ser bem assim ? Eu custa-me a acreditar que seja essa a realidade.

Se um produtor de leite é subsidiado para produzir leite e se descobre que ele o despeja pelo esgoto durante a noite recebendo os subsídios, isso não seria considerado uma fraude ?

Se um fornecedor de serviços recebe como pagamento de serviços prestados que afinal não foram prestados, isso não é crime ?

É que isto tudo se for verdade nem se trata de um absurdo económico, para mim é uma fraude económica, um crime.

Em Espanha há quem use o argumento da energia a custo zero e da influência das eólicas para demonstrar que o preço da energia baixou com as eólicas. Dizem que nunca houve tanta energia a custo zero. Por exemplo aqui:
http://www.revolucionenergetica.info/

Cheira-me a falácia, mais barata no sistema e eventualmente para o cliente consumidor, mas o verdadeiro custo escondido no défice tarifário para o contribuinte suportar.


Agora uma questão professor. Sempre ouvi dizer que a nuclear tinha este problema da energia a custo zero ou quase zero. Como as centrais não são desligadas, há excesso de produção, normalmente dos franceses, que portugueses durante muitos anos consumiam durante a noite a custos muito baixos, quase residuais. Este problema do custo zero não é então idêntico, com a única diferença de que a eólica é mais cara ? Ou os contratos nucleares estão longe de ser simpáticos, fixos, como nas renováveis e a energia nuclear é paga ao produtor ao custo do mercado, como todas deveriam ser ?

Pinto de Sá disse...

Caro Anónimo das 6:18,
É mesmo assim: o produtor em regime especial (é como é classificado) recebe por toda a energia que produza uma tarifa fixa. É a denominada subsidiação "feed-in".
A ideia por detrás disto é que é preciso incentivar a produção renovável, e como esta é intermitente e a sua fonte é incontrolável (vento, sol, pequenos regatos, cogeração em fábricas, etc), não pode estar sujeita às regras do mercado, onde os preços dependem da procura e, portanto, das horas do dia (das quais depende o consumo).
Quanto ao nuclear, e a outras formas de produção clássicas, há dois problemas: a) numa central termoeléctrica pode valer a pena vender a energia ao custo do combustível e operação, por uns quartos de hora, em vez de desligar a central, porque depois de desligada só para a reaquecer perde-se muita energia. Isto inclui as nucleares mas também as a carvão; b) A França tem 80% de energia de origem nuclear e portanto tem o tal problema, mas sujeitando-se ao mercado. Numa rede com um mix equilibrado, essas centrais termoeléctricas só existem na proporção necessária para satisfazer a base do diagrama de consumo, isto é, o consumo mínimo garantido, e por isso podem funcionar sempre ao rendimento máximo. Depois, nas horas de ponta, em que a procura cresce e com ela o preço que o mercado está disposto a pagar, entram em serviço outro tipo de centrais com produção mais cara mas mais flexível, como as de ciclo combinado ou as hidroeléctricas. A interligação de redes continentais, como nos EUA, também facilita o comércio, explorando as diferenças de fusos horários. Outra exploração da diversidade geográfica continental é entre o norte gelado e o sul: os degelos são na Primavera e Verão, na Escandinávia ou Canadá, enquanto no Inverno há chuva no sul mas a norte está tudo congelado e a precisar de aquecimento nas casas...
A tal "produção em regime especial" é que não entra nesta lógica, pelo que expliquei! Se for apenas uma percentagem limitada da produção total, consegue-se encaixá-la na tal lógica, com as outras produções, mas se exceder um dado limite é um desastre!

Eduardo Freitas disse...

Saúdo o continuado e corajoso esforço de elucidação a que o Prof. se tem dedicado há anos neste blog.

O Manifesto é o primeiro "abanão" sério para aqueles que, à pala de uma suposta modernidade e de uma atitude voluntarista politicamente correctas, não querem sequer discutir o custo de determinadas escolhas e o custo de não fazer outras escolhas.

rui disse...

A frase "Esta afirmação constitui um completo curto-circuito
conceptual", é um "cut and paste" que acabei de fazer de um excerto da versão pdf do artigo de Jorge Vasconcelos publicado a 5 de Março último no Publico.
Mira Amaral/Pinto de Sá traduziram-na por “constituem um completo curto-circuito cerebral” (em itálico e entre aspas...). Inicialmente pensei tratar-se de um erro de revisão imputável ao jornal, mas agora pude confirmar que afinal se trata de confusão (para dizer o mínimo) entre dois "conceitos".

Pinto de Sá disse...

Ao "rui": tem razão! Só agora que o referiu é que notei o erro! Foi uma citação de memória e pelos vistos a memória pregou-me uma partida!...
Mas embora a citação esteja literalmente errada, o conceito é o mesmo.

Anónimo disse...

A propósito das fraudes em Espanha

Energia fotovoltaica produzida durante a noite, em Espanha :)

A crítica inteligente e mordaz aqui no blog de Lubos Motl