sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Posição sobre a política energética nacional. IV - O contexto internacional e a preparação do futuro

Este é o 4º e último post da apresentação de uma posição sobre a política energética nacional. O post anterior pode ser encontrado aqui.

13. Na última década, Portugal só ultrapassou ligeiramente as metas de produção de energias renováveis negociadas nos anos 90 com Bruxelas para 2010, e aceitou metas para 2020 que não são realizáveis sem uma provável queda do PIB nacional.

A rota da União Europeia para a promoção das energias renováveis iniciou-se com a Cimeira do Rio de Janeiro em 1992, o protocolo de Quioto em 1997 e o “white paper” sobre a prospectiva das renováveis na Europa no mesmo ano e, finalmente, tomou forma de Directiva em 2001 (2001/77/EC), a qual estabeleceu a meta indicativa, para o ano corrente de 2010, da produção de 21% da electricidade da União com origem renovável.

Na data em que a Directiva foi publicada, Portugal já satisfazia o objectivo nela definido, graças à existência de recursos hidroeléctricos explorados décadas atrás. Na realidade, dos 15 membros que a Comunidade tinha então, ao longo de toda a década de 90 Portugal tivera a 4ª posição em maior incorporação de energia de fontes renováveis, só superado pela Suécia, pela Áustria e pela Finlândia mas, no que respeitava estritamente à electricidade, até superava esta. Com efeito, em 1997 Portugal teve 38.5% da sua electricidade proveniente de fontes renováveis, e a meta indicativa que lhe foi estabelecida foi a da manutenção desse valor (39%), o que foi bem negociado pois teve em conta as nossas necessidades de desenvolvimento. Para comparação, qualquer dos outros 3 Estados que superavam Portugal comprometeu-se a um crescimento significativo, e o nosso país foi mesmo o único dos 15 a que foi concedida a manutenção no valor que já tinha.

Em 2009, porém, Portugal atingiu cerca de 46% da sua electricidade originada em fontes renováveis mas usando os critérios contabilísticos da UE, que tomaram como base a excepcionalmente alta produção hidroeléctrica de 1997, e que fora 28% acima da média anual. Com isto, Portugal ultrapassou largamente a meta que lhe fora definida o que, aliás, já vinha acontecendo desde 2006, devido à tremenda penetração da energia eólica. A custos já analisados e de pagamento diferido para o futuro e sem conseguir acompanhar o aumento de consumo verificado. Entretanto, em 2007 um relatório intercalar da Comissão Europeia notava que na melhor hipótese a União no seu conjunto atingiria em 2010 apenas 19% de electricidade de origem renovável, em vez dos 21% planeados…

Em 2009 a União estabeleceu novas metas para 2020, na Directiva 2009/28/EC, mas desta vez já não quanto à electricidade. Desta vez as metas são de 20% de origem renovável para todo o consumo energético – incluindo transportes e indústria –, assim como de 10% de uso de biocombustíveis nos transportes, e 20% de redução nas emissões de CO2.

Para atingir a nova meta de 20% de renováveis na produção total de energia há estimativas segundo as quais a proporção de origens renováveis na electricidade terá de ser de 35% mas, ao contrário do que acontecera dez anos antes, desta vez Portugal não negociou um esforço moderado. Desta vez Portugal obteve um aumento dos 20,5% de 2010 (valor estimado para a origem renovável de toda a energia consumida no país), para 31%, um acréscimo nominal relativo de 50%! Uma parcela de 10,5% na totalidade da energia consumida, similar à preconizada para os campeões suecos, austríacos e finlandeses, e consideravelmente superior às metas estabelecidas para países com um grau de desenvolvimento semelhante ao nosso, como a República Checa, a Polónia ou a Roménia! Não tendo havido, no entanto, grande condescendência com qualquer dos Estados, nesta nova Directiva europeia.

Ora para alcançar a referida meta de 31% de origem renovável para todo o seu consumo energético, e extrapolando a proporção de 35% de electricidade para os 20% de toda a energia, Portugal terá de alcançar 55% de electricidade de origem renovável, valor considerado nas projecções do único estudo conhecido do Ministério da Economia que terá apoiado as negociações portuguesas. Este estudo supôs a instalação dos 5700 MW de potência eólica planeados pelo Governo que, como vimos, não é tecnicamente realizável, uma enorme proporção de centrais a gás natural, e a substituição imperiosa da poluente (mas de energia barata) central a carvão de Sines por uma nova com captura e sequestro do CO2 – tecnologia que seguramente não estará em comercialização até 2020!

Porém, a agravar dramaticamente a perspectiva nacional, o critério de ponderação do contributo hidroeléctrico para as energias renováveis foi alterado com a Directiva europeia de 2009, conduzindo a uma redução da contabilização portuguesa, dos alegados 46% em 2009 para 39.7%. Com efeito, enquanto na Directiva de 2001 fora escolhido um ano de referência para a referida contabilização particularmente favorável para Portugal (1997), agora é a média dos últimos 15 anos anos que terá de ser considerada o que, sendo tecnicamente mais correcto, dada a variabilidade anual da produção hidroeléctrica, piora dramaticamente a situação nacional. A nova Directiva não permite, também, a contabilização da energia hidroeléctrica proveniente da bombagem de energia de outras fontes.
Nesta situação, congelando o consumo actual de energia eléctrica, as renováveis actualmente existentes satisfarão 42.5% dele, os planeados 2200 MW de eólicas e hidroeléctricas associadas a construir adicionarão mais 9.5%, faltando ainda 3%! Ora apesar de todo o tremendo esforço feito no investimento em renováveis nos últimos anos, se for aplicado retroactivamente o novo e tecnicamente correcto critério contabilístico, verifica-se que Portugal afinal pouco melhorou a proporção de energia renovável na produção de electricidade relativamente a 1997, pouco excedendo a benevolente meta definida uma década atrás! O que nos dá uma primeira ideia da impraticabilidade das metas assumidas para 2020.

Nestas condições, só haverá dois modos de alcançar aquela meta: ou se realizam investimentos em energias renováveis ainda mais dispendiosas que as eólicas e as hidroeléctricas de bombagem, a Super-Rede europeia é construída esta década, para o que a REN se tem esforçado multiplicando as ligações em Alta Tensão a Espanha, mas que depende desta reforçar as suas ligações a França, enfrentando ambos os países então a concorrência da barata electricidade francesa de origem nuclear, e simultaneamente há outras medidas com desenvolvimento radical, como a penetração de biocombustíveis nos transportes, o incremento do aproveitamento da biomassa, do biogás, de medidas de climatização passivas nos edifícios; ou se verifica uma redução dos consumos nacionais associada à queda do PIB e acompanhada de um aumento da emigração (como se verificou em alguns países do Leste europeu). Ou, mais provavelmente, as duas possibilidades concorrem para a meta prevista: investimentos brutais e redução do PIB nacional.

De uma forma ou de outra, os 31% de consumo energético total de origem renovável não acontecerão apenas concessionando eólicas e solares e desligando a central de Sines, e terão sempre um custo económico extraordinário. Urge pois um plano económico bem estruturado e não baseado apenas na aceitação dogmática das metas europeias, mas considerando também os interesses nacionais de desenvolvimento e as restrições técnicas do sistema electroprodutor, e maximizando a incorporação sustentável de valor nacional.

 
14. Os interesses nacionais devem ter prioridade sobre o cumprimento dogmático das Directivas energéticas europeias, sobretudo quando estas foram desastrosamente negociadas.

Nas negociações mundiais de Copenhaga ocorridas no fim de 2009, ficou clara a existência de um consenso praticamente universal relativamente à necessidade de redução das emissões de CO2 e outros gases considerados causadores de um Aquecimento Global. Porém, ficou também claro que embora todos os países relevantes para essas emissões tenham aceitado o estabelecimento de alguma meta quantitativa para a redução das emissões de CO2, seja em termos absolutos, seja em termos relativos ao peso futuro esperado das suas economias (intensidades energéticas), a União Europeia ficou isolada nas suas propostas de metas quantificadas para as energias renováveis.

Neste quadro tem particular importância a posição da actual Administração dos EUA, comum à da restante comunidade não-europeia, de não aceitar limitações à panóplia de opções tecnológicas disponíveis para a redução das referidas emissões, dado existirem estudos especializadas e acreditados que demonstram que o recurso a uma panóplia inclusiva de todas as tecnologias permitirá chegar a preços futuros da energia substancialmente inferiores à opção europeia estritamente pro-renovável, assim como à continuação da disponibilidade de energia que caracterizou a sociedade industrial. Esta carteira completa de opções tecnológicas inclui, além das energias renováveis, o carvão com captura e sequestro de carbono, dado que embora fóssil o carvão existe em enorme abundância no planeta e em subsolos de países estáveis e amigáveis, e a energia nuclear, cuja segurança evoluiu muito nos últimos 30 anos e que se encaminha para novos patamares tecnológicos de elevada eficiência e sustentabilidade.

A posição isolada em que a União Europeia ficou depois de Copenhaga é passível de várias evoluções, da persistência numa posição ideológica fundamentalista que tenderá a fechar a Europa numa barricada comercial, precursora de uma inevitável decadência e/ou de sobressaltos de intolerância, até, pelo contrário, ao alinhamento progressivo com as posições da restante comunidade internacional. A fortificação de fronteiras comerciais é mais que provável face à concorrência imbatível da China na própria indústria de equipamentos de energias renováveis, se a Europa se limitar a esta opção.

Estas considerações levam a recomendar um não-alinhamento cego e muito menos demasiado papista com posições europeias que poderão vir a moderar-se em breve ou, pelo contrário, a evoluir para radicalismos com um alto custo para Portugal e contrários aos seus interesses de nação quase milenar.

15. Portugal precisa de energia eléctrica barata de fontes controláveis, sem aumento de emissões de CO2, sem políticas perigosas para as liberdades cívicas e com a máxima criação de riqueza nacional sustentável. Em particular, a opção nuclear tem de ser cuidadosa e antecipadamente preparada.

De tudo o que foi analisado nos pontos anteriores, resulta evidente a necessidade de Portugal considerar seriamente a opção nuclear como estratégia energética e económica, dada a sua controlabilidade, não emissão de CO2 e baixo custo da energia gerada.
Não se trata, porém e no imediato, de considerar a compra de uma central nuclear, com a mesma irresponsabilidade e ausência de planeamento com que foi feita a importação de equipamentos de energias renováveis, mas sim e apenas de iniciar a preparação de uma possível futura opção nesse sentido.

Dado o conjunto de aspectos a considerar, é necessária uma estrutura organizativa que coordene esses aspectos. E, dados os longos tempos a envolver nas acções e eventuais investimentos associadas, a actividade dessa estrutura não deverá obedecer aos horizontes temporais de calendários eleitorais. Por esta razão, é necessário que a sua criação resulte de um pacto de regime que garanta uma maioria de apoio parlamentar permanente, e é também imperioso que a sua chefia tenha uma independência imaculada de outros interesses que não os nacionais, sendo por isso recomendável que a sua nomeação requeira a anuência da Presidência da República, podendo a atribuição de funções militares de prevenção e segurança facilitar essa tutela Presidencial. Vale a pena recordar, aliás, que a Junta de Energia Nuclear criada há mais de 50 anos dependia directamente de Salazar, e não do Governo de ocasião. Aliás, o aqui proposto é a refundação de uma Junta como essa, para iniciar a preparação de uma possível opção nuclear!

Esta Nova Junta da Energia Nuclear deverá dispor de uma Comissão Executiva com pelo menos 3 membros, e constituir um Conselho Consultivo onde estejam representados reconhecidos peritos das áreas relevantes e com um leque de sensibilidades ideológicas diversificado, que garanta o escrutínio e a transparência de todas as actividades desenvolvidas. As actividades prioritárias da Comissão Executiva, a terminar no prazo de um ano, deverão incluir:

a) A recolha e análise de todos os estudos parcelares realizados no passado sobre a opção nuclear para Portugal;

b) A constituição de uma equipa interdisciplinar de técnicos de primeira qualidade, cobrindo nomeadamente os aspectos das engenharias civil, mecânica, de controlo e automação, a Física nuclear tecnológica, a Geologia, as Finanças e as Seguranças civil e militar;

c) A identificação das normas internacionais, das necessidades de recursos técnicos especializados futuros e dos projectos em curso ou lançamento noutros países.

Numa segunda etapa, esta Nova Junta deverá preparar, num prazo adicional de 4 a 5 anos, já com a equipa técnica de alta qualidade criada na 1ª etapa e uma definição de objectivos mais precisa:

1) O estudo das opções tecnológicas e comerciais disponíveis internacionalmente;

2) O estudos dos possíveis modelos de financiamento;

3) As normas técnicas nacionais, em harmonia com as internacionais existentes e em particular as europeias, detalhadas e precisas, a aplicar nos projectos de centrais;

4) A formação dos recursos humanos necessários ao acompanhamento e fiscalização de obras;

5) A pré-selecção de locais apropriados;

6) A definição das actividades económicas sustentáveis para as quais se possa associar a máxima incorporação nacional, da preparação do combustível ao tratamento de resíduos, passando pelo aproveitamento dos jazigos nacionais de Urânio;

7) As colaborações internacionais desejáveis, técnicas, económicas e de segurança;

8) A preparação de um Caderno de Encargos rigoroso para uma Central Nuclear.

9) O debate público aberto e esclarecedor das opções em apreço.

Finda esta preparação, que se iniciada já poderia estar concluída em 2015 ou 2016, o país estaria em condições de decidir se avançaria ou não para a construção de uma Central nuclear. Até lá muita coisa evoluirá no domínio das opções internacionais de energia nuclear, dando tempo a que se venha a aproveitar a experiência alheia. Se por volta de 2015 ou 2016 se tiver efectivamente verificado o renascimento do Nuclear, Portugal estará em condições de fazer a opção correspondente, podendo vir a ter a sua primeira central a tempo de substituir a de carvão em Sines, dentro de uma década. Se não for essa a evolução que ocorrer, também não terá sido grande a perda incorrida nesta preparação - afinal o país custeou por mais de 50 anos uma Junta de Energia Nuclear de que não retirou qualquer préstimo!
A ausência da preparação desta opção é que poderá ser trágica!

O documento completo correspondente a estes 4 posts pode ser acedido aqui.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito obrigado pelo seu esforço. Votos de que muitos o leiam.