quinta-feira, janeiro 14, 2010

A culpa é da liberalização. Ou não?

A propósito do "absurdo eólico" para que tenho vindo a chamar a atenção, em que temos produção a mais sem ter onde a meter e a temos que deitar fora, fiz uma pesquisa aos papers mais recentes que pudessem ter sido publicados sobre o assunto internacionalmente, e falei com um colega muito sabedor.
Encontrei um único paper, já publicado este ano, que se lembra do problema do dimensionamento do reservatório da barragem, ou seja, da sua capacidade em energia armazenável, e não apenas em potência bombável ou turbinável. Mas mesmo este paper, publicado na melhor revista mundial do assunto e que por sinal é português (de alguém que tem estado envolvido no nosso grandioso pioneirismo eólico), mesmo este paper se esquece de considerar o efeito acumulado ao longo de vários dias da chuva e do vento e simplifica o problema evitando tratar a sua aleatoriedade - aliás e de facto, não trata do efeito cumulativo da chuva e da bombagem no enchimento das albufeiras. Aliás, não trata da chuva, sequer. É, portanto, um típico paper académico, mas já é um começo...
Entretanto, lembrei-me que em tempos, antes de aparecerem as eólicas, houve na antecessora da REN alguns engenheiros de grande qualidade que sabiam muito do assunto e, em particular, conheciam bem os nossos regimes hidrológicos. E tentei saber que era feito deles. Pois estão em funções meritórias, mas grupos de estudos com engenheiros desses é que já não há!
E porquê? Porque se raciocinou que, com a liberalização do mercado de energia, deixava de fazer sentido planificar o sistema energético e que os equilíbrios seriam conseguidos pelo simples jogo do mercado. O quer seria bom, porque o planeamento tolhia a inovação e a concorrência, pelo contrário, levaria sempre às melhores soluções.
Temos então que a presente situação resulta dessa liberalização dos mercados?
Bem, se os mercados energéticos fossem realmente livres e, portanto, geridos pelos interesses privados em competição, o que provavelmente teríamos era toda a nova produção energética a ser feita por centrais de ciclo combinado a gás natural! Não seria uma solução de longo prazo, mas ao menos a electricidade seria relativamente barata e sem défice tarifário.
Mas não é isso que temos.
O que temos é um sistema energético regido pelos ditames políticos de Bruxelas relativamente à redução das emissões de CO2, o que leva a subsidiar e a priveligiar as caríssimas energias renováveis e à presente situação!
O que de facto temos, não é um fruto da liberalização energética. É o fruto de um sistema definido por critérios estritamente políticos, mas sem o antigo planeamento nacional...
Ou seja, temos o pior dos dois mundos!
Ah, mas o tal paper de que falei atrás considera uma ideia interessante para quando tivermos as hídricas com capacidade reversível (mas sem capacidade de armazenamento) e que evita a vergonha de termos de doar a Espanha o excesso de energia eólica: as futuras hídricas poderão bombar a água para dar consumo eléctrico às eólicas e manter a rede estável, e ao mesmo tempo abrir as comportas de segurança ao lado para deixar a água sair (sem ser turbinada) antes que as albufeiras transbordem.
Lindo! A capacidade de inovação portuguesa tem realmente progredido muito, nos últimos anos...!

3 comentários:

Anónimo disse...

Não seria mais barato pagar aos produtores "ecotópicos" para estarem quietos (pararem as ventoinhas)?
Isto porque mandar os verdadeiros responsáveis para a cadeia é hipótese que não se coloca no estado a que se chegou!

João Santana disse...

Caro Pinto de Sá

São vários os assuntos pertinentes que colocas neste texto. Mas há um que me leva a escrever. O En. Henrique Moreira, com o qual aprendi alguma coisa sobre o nosso sistema eléctrico, quando esteve na ERSE alertou, através de um pequeno texto, para os problema de excesso de energia no vazio nas condições climatéricas como as Portugal tem tido.
Vou ver se recupere o texto do Eng. Henrique Moreira, homem da velha guarda da EDP ou REN que naturalmente estava preocupado com o mínimo custo da produção

João Santana

Pinto de Sá disse...

Anónimo: Não existem em Portugal nem regulamentos ou leis que permitam desligar as eólicas, nem meios técnicos para isso. Presentemente, nestas coisas a REN limita-se a copiar os espanhóis, que são os mais fracos nesta matéria, e com uns anos de atraso. E o que os espanhóis fizeram foi, muito a correr, um Centro de Controlo que pode desligar as eólicas deles. Só que em Espanha quase todas as eólicas estão ligadas à REN deles (REE), e cá não chegam a metade - e ainda está tudo apenas em projecto...
Santana: estava a pensar no Victor Vieira, quando falei dos "velhos engenheiros sabedores". O Moreira já deve estar reformado, mas o Vieira está activo, só que na área das tarifas. Aliás, a destruição de know-how nacional que se tem feito em todos os domínios - o caso da Junta de Energia Nuclear é outro - é verdadeiramente trágico!
Vi que no IST também há uns especialistas do assunto (em Eng.ª Civil), mas nota-se pelos apontamentos deles que nunca ninguém lhes colocou o problema da bombagem de energia eólica.
Mandei-lhes este post a ver se reagem...