sábado, agosto 22, 2009

Notas da América: a promoção à troca de carros

Está aceso o debate nos EUA sobre o "cash-for-clunkers", a medida da Administração Obama pela qual são dados 3500 a 4500 dólares por carros velhos poluidores em troca de novos mais eficientes. O valor para cada comprador depende da eficiência dos carros comprados, em termos de consumo e CO2 emitido, e só se aplica se o carro a trocar for pior que um certo limite nestes critérios. O Congresso aprovou primeiro 1 e depois 3 biliões de dólares para esta medida, prevista para durar 4 meses, mas o fundo esgotou-se em 3 semanas, devido ao enorme sucesso que teve. A medida visa também ajudar a indústria automóvel americana em crise, embora na verdade tenha aumentado ainda mais a quota de mercado dos carros japoneses, sabidamente mais eficientes. O debate divide republicanos e democratas, com os republicanos a acharem que é dinheiro mal gasto e os ecologistas a acusarem a medida de ser insuficientmente green.

Para ter uma melhor ideia da medida, convém começar por notar que nos EUA os carros são muito baratos, porque não existe o "Imposto sobre veículos" que nós temos. Um Honda Civic, por exemplo, custa aproximadamente tantos dólares lá como euros em Portugal, mas o dólar vale 0,7 euros. Por isso, a quantia em jogo em cada carro é muito apreciável.

Ora vale a pena comparar esta medida com a bonificação acrescida na compra de carros que o actual Governo propôs e o Parlamento aprovou recentemente em Portugal. Esta bonificação consiste num desconto de 1250 € para carros com 10 ou mais anos, que sobe para 1500 € se o carro a trocar tiver mais de 15 anos, no Imposto Sobre Veículos (ISV) do carro novo.

Em primeiro lugar, como não consumimos automóveis produzidos em Portugal, economicamente esta medida só pode incrementar o comércio importador dos mesmos e beneficiar alguns comerciantes, mas à custa do défice externo.

Porém, importa notar que a referida bonificação tem a forma de um desconto sobre o ISV, e que a fórmula deste é tal que beneficia (correctamente) os automóveis menos poluentes e mais eficientes. Significa isto que, na realidade, a medida tem pouca aplicação prática para os carros mais baratos e/ou eficientes, e que promove é a aquisição de veículos gastadores e poluidores. Um exemplo demonstra isto.
Supunhamos que se pretende adquirir um Honda híbrido Insight, que custa cerca de 20 mil €: o seu ISV é de 857 €, pelo que de facto esse é o desconto máximo que se poderá ter na sua compra, e não os 1250 ou 1500 € anunciados pelo Governo! Mas conjecturemos que quem tem um carro com 15 anos para trocar é provavelmente pobre e procurará antes um carro de gama baixa, por exemplo um Honda Jazz de 14 mil €: o ISV deste é de 797 €, pelo que é esse de facto o desconto "oferecido" pelo Governo ao referido pobre. Para que ele aproveite melhor a "oferta" do Governo, deverá antes comprar um Mazda 2, carro de preço similar mas que, por ter um motor mais antigo e menos eficiente, paga 1264 € de ISV...
E, continuando a fazer contas, é fácil de ver que para se aproveitar integralmente os 1500 € se terá de trocar o tal "chasso" com 15 anos por um carro novo de gama média, bastante gastador de gasolina e nunca híbrido!
Para quem promove o carro eléctrico como a salvação ecológica do mundo, há aqui uma contradiçãosinha...

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