segunda-feira, julho 27, 2009

I&D das empresas: um critério de aferição - patentes!

Demonstrado que está que o aumento de 115% da I&D privada em Portugal, de 2005 para 2007, resultou apenas da reformulação contabilística promovida pelo SIFIDE, o Sistema de Incentivos fiscais legislado pelo actual Governo, subsiste uma interrogação fundamental:
  • Terá o novo método de Contabilidade da I&D sido apenas uma correcção, um pôr em linha com as práticas da OCDE, como afirmou Manuel Heitor, "destapando muita I&D que se vinha fazendo" nas empresas, e neste caso há muito que Portugal não está mal no que respeita à participação das empresas no esforço em I&D?
  • Ou terá o novo método de Contabilidade apenas passado a contabilizar como I&D o que é Engenharia de concepção simples, sendo neste caso um erro crasso só possível em quem não faz ideia do que seja Engenharia real (descontando eventuais desígnios estatísticos politicamente menos honestos)?
Penso que há um critério de aferição simples para resolver este dilema: a I&D empresarial, se efectivamente visa a criação de produtos ou processos de princípios novos, traduz-se em patentes. Mesmo que nem toda origine patentes, haverá uma estreita correlação. De facto, as patentes estão para a I&D nas empresas como as comunicações científicas estão para a I&D académica, enquanto critério de produtividade!
Ora, em matéria de patentes, continuamos a produzir 1/4 per capita do que produz Espanha. Concretamente, 20 patentes por ano, contra 320 de Espanha.
E este valor está muito mais em consonância com a "antiga" Contabilidade. Infelizmente.

15 comentários:

Anónimo disse...

Mesmo que se trate de I&D contabilistica permaneço com uma dúvida: Qual o motivo?

Será que é uma mera operação televisiva? Haverá mais alguma motivação para estes artifícios?

Pinto de Sá disse...

Meu caro, só é possível fazer conjecturas quanto ao motivo do Governo. Eis duas possíveis:
1) Confusão entre simples Engenharia de concepção e Investigação & Desenvolvimento, ou seja, incompetência na elaboração do quadro legislativo e, a avaliar pelas suas próprias palavras ao jornal O Público, confusão na própria cabeça do responsável do Ministério. Quiçá resultante de ser um académico puro e de nunca na vida ter feito Engenharia.
2) A outra hipótese é, claro, poder arvorar, como já vi fazer na TV, o suposto incremento da I&D empresarial como uma vitória do Governo na modernização do país. Neste caso o motivo será menos inocente, claro...

Quanto às empresas, haverá dois motivos para alinharem no esquema:
1) o óbvio desconto à colecta de IRC de 750 mil €;
2) as boas graças do Governo ao colaborar com ele nos desígnios propagandísticos, algo muito importante num tempo em que cada vez menos as coisas são decididas por concurso público...

Anónimo disse...

Acredito mais nas motivações não inocentes. Inocência na idade dos responsáveis políticos é pouco provável.

Em todo o caso, é verdade que o actual ministro Mariano Gago é um físico teórico, que não tem nada de engenheiro. No seu tempo do IST desprezava as cadeiras de carácter prático, como a Topografia, Oficinas, Projecto de Electricidade, Medidas Eléctricas, Laboratórios,... nas quais, aliás, teve notas fracas.

Classificava essas cadeiras de forma depreciativa com o termo "engenhática".

João Vasco disse...

Esse critério não desfaz o dilema. Se antes a I&D estava subavaliada, é natural que uma avaliação correcta dê conta de uma "subida" sem que a mesma corresponda a um maior número de patentes.

Mas a escolha da Espanha como termo de comparação também parece arbitrária. Porque não tecer as comparações em relação ao número absoluto de patentes, ou em relação à média da UE?

Pinto de Sá disse...

Normalmente não publicaria o seu comentário no meu blog, dada a leviandade com que critica e a falta de valor acrescentado do que escreve.
Mas, enfim, sendo um jovem de 28 anos de engenharia (de que escola, já agora?)isso acorda em mim o instinto educador, e por isso cá vai:
1) "É natural que uma valiação correcta dê conta de uma "subida" sem que o haja em patentes, diz o sr. Vasco. "È natural", porquê? Se houve de facto uma subida da I&D empresarial, como é que "é natural" isso não se manifeste em resultados? Ou concorda que se tratou de mera mistificação, com as aspas na "subida"? E então como sabe se é mistificação, a não ser precisamente pela ausência de índices objectivos mensuráveis, tais como as patentes - para já não falar do que realmente interessaria, que seria um aumento das exportações nacionais, em valor acrescentado?
2) "A escolha de Espanha parece arbitrária". Escolhi Espanha por que nos é vizinha e gostamos de nos comparar com ela, e porque o seu índice de desenvolvimento parece similar. Se escolhesse a Alemanha, ou a média europeia, a diferença ainda seria muito maior que a de 1/4 mas não seria tão evidente o atraso TECNOLOGICO, porque já sabemos que somos atrasados ECONOMICAMENTE face a esses termos de comparação.
O mesmo se passa para a comparação em valores per capita e absolutos. Acha que faria mais sentido comparar com a Europa toda, que tem 50 vezes a nossa população?
Ainda assim note que eu dou os valores absolutos para Portugal e Espanha - 20 e 320, respectivamente. Uma diferença brutal! Mas que seria demagógica, dada a diferença de dimensão dos países.
Por isso é que a comparação dos valores per capita é mais adequada à compração do desenvolvimento relativo.

Ufa! Parece que estive a escrever para um miúdo que acabou agora o ensino básico! Você é mesmo de engenharia? Custa a crer!...

João Vasco disse...

Pinto de Sá:

Lamento o tom desagradável e os ataques pessoais. A informação a que se refere está desactualizada, visto que já terminei os meus estudos (não actualizei o perfil), mas formei-me em engenharia pelo Instituto Superior Técnico.

Mas eu creio que a razão que o levou a considerar tão absurdas as minhas observações foi porque não as entendeu devidamente. Não me leve a mal, talvez o ideal seja explicar-me novamente:

1) Imagine que eu aceitava aquilo que defende no seu texto, e como tal assumia que não tinha havido um aumento significativo da I&D.
Mas, apesar disso, acreditava que antes a I&D era contabilizada por um método que a substimava.
Então o que é que eu esperaria? Que quando o novo método de contabilizar a I&D entrasse em vigor, este desse conta de um aumento da I&D. Porque antes estava substimada, e então teria deixado de estar.
Assim, é perfeitamente possível que as intenções da alteração do método fossem as mais legítimas, e ainda assim os resultados serem aqueles que apresenta, e o dilema apresentado no texto fica por resolver.

2) Quando eu falei no número absoluto, referia-me ao número absoluto de patentes per capita; por oposição ao quociente entre as nossas patentes e as espanholas.
Imagine por momentos que nos últimos anos as nossas patentes per capita tinham passado de 10 para 20, e em Espanha de 160 para 320. Por outro lado, no mundo ocidental tinham no mesmo período aumentado 10%. Os valores são disparatados, mas exempleficam aquilo a que me referia. É possível que tenha havido um aumento relevante das patentes (não conheço os números, não sei se é o caso), mas que devido ao facto de ter havido o mesmo aumento em espanha, mais do que noutros países, o quociente que apresenta esconda essa evolução.

Creio que são observações legítimas, e acredito que mesmo que fossem algo tolas (não creio), não justificariam o tom com que me responde.

Pinto de Sá disse...

O tom com que lhe respondi foi perfeitamente justificado, e confirmado pela persistência com que levanta dúvidas de processo ao que escrevi.
Se tem dúvidas sobre se tive em conta ou não as taxas de crescimento da I&D e patentes, INFORME-se e FUNDAMENTE-SE antes de sugerir que as não tive! Essa simples sugestão é que é, obviamente e em si, extremamente desagradável!
Mas com certeza que verifiquei a evolução das patentes, ou pensa que me limitei a verificar as do ano em causa?
Precisamente, não há EVOLUÇÃO do número de patentes. Naturalmente, quando falo em 20 portuguesas (vs 320 espanholas) estou a arredondar a MÉDIA, porque naturalmente num número tão pequeno há variações anuais.
Porque partiu do princípio que eu não teria feito isso?
A questão é: segundo os números oficiais da I&D empresarial, estaríamos agora na média europeia, quando anos antes estávamos com uma fracção dessa média. Ora se isto fosse realmente reflexo da realidade, deveríamos também ter evoluído a taxa de patentes para a média europeia, o que não aconteceu, porque despeza em I&D empresarial e patentes são duas coisas fortemente correlacionadas.
Como não é o número de patentes registadas que está errado, só pode ser o da contabilidade da I&D, tanto mais que há outros factores que a tornavam suspeita.

Pinto de Sá disse...

Coloquei no post um hyperlink para um documento oficial da UE que mostra o registo de patentes nos países da União e outros, de 1998 a 2007.
Portugal duplicou o registo, que era de CERCA de 10/ano até 2003 para 20/ano depois disso ou, mais exactamente, de 12,6 para 22,8,mas:
a) Isso não se pode dever à política do Governo porque este só entrou em funções em 2005;
b) Espanha deu um salto similar, em parelo e na mesma data, da média de 147 para a de 341 (o meu número de 320 até era favorável)...

Se nos quisermos mesmo deprimir, então comparemo-nos com a Suiça, que regista o número absoluto médio de 2200 patentes/ano, 10 vezes o que nós registamos, mas que tem... metade da nossa população!

Pinto de Sá disse...

Quanto à Suiça enganei-me: regista não 10 vezes o que nós patenteamos, mas sim... 100 VEZES!!!
Há também informação sobre as àreas de submissão de patentes, e estas mostram que aquelas onde predominamos são a QUÍMICA e a Engª CIVIL. O que tem muito fraca correlação com as empresas que surgem nas nossas estatísticas oficiais como campeãs da despeza em I&D...

Pinto de Sá disse...

E mais uma nota final: como se pode ver pelo documento para que hyperlinkey, a MÉDIA das patentes de todos os países TAMBÉM deu um salto em 2003 (de 60%), pelo que não aconteceu nada de particular nem em Portugal, nem em Espanha, naquele ano.
O que garantidamente mudaram foram os critérios de aceitação de patentes!
De facto, uma consulta mais detalhada a outros documentos oficiais mostra que o número de submissões de patentes é uma ordem de grandeza superior ao número que é depois de facto aceite. Mesmo para Portugal!

João Vasco disse...

Não, aumentar 100% num mesmo período de tempo em que ocorre um aumento de 60% não é irrelevante.

Corresponde a um aumento de 25% em termos comparativos para esse período.

Suficiente para alegar que esse indicador não desmente o maior investimento em I&D.

Pinto de Sá disse...

Custa-me muito a crer que tenha terminado um curso no IST!
1) para sermos exactos, 22,8 são mais 80% que 12,6, e não mais 100%;
2) tal incremento é pouco maior que o aumento médio de 60% do conjunto dos países;
3) o documento que linkei é europeu, mas inclui países de fora da Europa; a dever-se, como é mais que provável, a uma mudança de critérios aprovativos, é natural que essa mudança de critérios não tenha ocorrido em todos as regiões do globo da mesma forma, pelo que os 60% de aumento geral são apenas indicativos;
4) Afinando contas, verifica-se que se Portugal aumentou o registo de patentes em 80%, a Espanha aumentou-o em 130%, o que significa um agravamento da distância;
5) Mas mesmo que isto tivesse correspondido a um aumento real de I&D em Portugal, como ocorreu em 2003 não deverá nada ao actual Governo;
6) Quando muito, deveria aos Governos em vigor em 2003, ou seja, aos do PSD;
7) Mas os números de patentes, uma vez calibrados, de facto não apontam é para nenhum aumento real de I&D empresarial portuguesa! Infelizmente!...

Borges disse...

Caro Pinto de Sá,

Aprecio muito o seu blog. Tenho estado de acordo com quase todos os seus post.
Sáudo-o, em particular pela frontalidade com que tem desmascarado alguns temas importantíssimos, como a questão das energias renováveis, cujo debate está contaminado por grupos de interesses e pela propoaganda oficial.

Contudo, permita-me discordar do contexto deste post. Especialmente quando afirma:
"...a I&D empresarial, se efectivamente visa a criação de produtos ou processos de princípios novos, traduz-se em patentes. Mesmo que nem toda origine patentes, haverá uma estreita correlação. De facto, as patentes estão para a I&D nas empresas como as comunicações científicas estão para a I&D académica, enquanto critério de produtividade!"

Discordo profundamente que as patenets sejam "a medida" ou mesmo "uma medida" da I&D, em especial no que se refere ao sector de software, no qual trabalho, e que é um dos principais alavancas da inovção (não só em Portugal, como em todo o Mundo).

De facto, no Direito Europeu, não são sequer permitidas patentes de software. A protecção industrial aqui rege-se, em teoria, pelos Copyrights. Embora na prática existam patentes, tal como nos EUA, onde desde o final dos anos 80 começou uma avalanche de patentes de "ideias" e "processos". Actualmente, no software, as patentes são essencialmente uma arma defensiva de protecção das garndes empresas contra a concorrência das verdadeiramente inovadoras. Têm mais incorporação de advogados do que de engenheiros de software.
Por isso, enquanto que na Europa se debate a questão anível do PE, nos EUA muitos advogam pela exteinção das patentes de software e pelo regresso ao regime anterior de copyrights (que ainda prevalece legalmente na Europa).
Outro exemplo contrário às patentes são os movimentos "open source", que ganham cada vez mais importância.
A internet, o html, o java, o uml, os spreadsheets, os word processors, etc. - de facto, quase todas as grandes inovações no software foram conseguidas à margem das patentes (na altura nem eram possíveis em software).

Actualmente, as Patentes de software tornaram-se mais armas de "Litigation instead of innovation".

Para melhor entender a questão, consultar o site:

http://stopsoftwarepatents.eu/

Ver também o artigo da wikipedia a propósito (a própria wikipedia é um bom exemplo de inovação contrário ao sentido das patentes):

http://en.wikipedia.org/wiki/Software_patent

Interessante também consultar os estudos do Professor de Economia Michele Boldrin, da Universidade de Washington "Against Intelectual Monopoly":
http://www.micheleboldrin.com/

Conclusão: considerar as patentes a medida de I&D nas empresas é, no mínimo, muito discutível. E nas de Software é manifestamente a medida errada.

Pinto de Sá disse...

Caro Borges,
Concordo com tudo o que afirma sobre o software e a natureza das patentes. Tenho um post precisamente sobre a essência que discute, que pode consultar aqui, caso o não conheça:
http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/2009/07/as-patentes-e-os-artigos-cientificos.html

Como vê, concordo consigo que as patentes são um instrumento de litigação.
Mas, precisamente por isso, é que são uma medida de inovação económica, e portanto de progresso!
Noto-lhe, e a propósito, que tenho alguma experiência do assunto. Trabalhei durante 7 anos com a EFACEC, de facto dentro da EFACEC embora com um estatuto especial, na direcção do desenvolvimento de raíz de uma linha de produtos digitais inteiramente nova.
Sei que há muito pouca gente na Academia ou na política com esta minha experiência, e por isso é que as mistificações nesta matéria me irritam tanto!
Ora na EFACEC implementei uma ideia em cuja criação participara num grupo americano com que criei um Standard usado nos EUA - não propriamente software, mas umas equações implementadas depois por software. O que fiz foi adaptar essas equações às normas usadas na Europa, e penso que o assunto era patenteável. Mas a Administração da EFACEC achou, a meu ver não tendo percebido bem o alcance da coisa, que era perda de tempo porque os produtos de software evoleum depressa e que o mantém a liderança é a constante mudança, e não as patentes.
De qualquer modo, portanto, vivi bem a questão das patentes numa óptica empresarial, que é onde fazem sentido.
Claro que as patentes não são uma medida perfeita da inovação industrial. Mas correlacionam-se muito, à escala macro-económica. Basta analisar a lista dos países e as suas patentes no último post que coloquei hoje.
Quem são os países que têm tão poucas patentes per capita como nós? A Roménia, a Lituânia, a Polónia... ou seja: países de que não se conhece nenhum produto de alta tecnologia no mercado, como nós!
O que está aqui em causa, entretanto, não é se em Portugal se faz muita ou pouca I&D, que é o que o Governo se tem preocupado em mostrar, mas sim se a I&D feita tem algum retorno económico para o país. E é óbvio que não!
Porque para que tivesse ter-se-ia de mexer no tecido empresarial, e não simplesmente financiar bolsas e subsídios e descontos fiscais.
Ter-se-ia de mexer activamente, como aliás o Governo até está a fazer em muitas áreas, nos !ajustes directos", nos "PIN", etc.
Só que teria de ser com seriedade e competência, e isso é que acho que não acontece!

Borges disse...

Caro Pinto de Sá,
Obrigado pela resposta. Vi o seu post de 13 de Julho sobre o tema.
Esclarecido o assunto, verifico com agrado que estou de acordo consigo, mais uma vez.
Parabéns pela sua cruzada a favor da verdade e da transparência.