sexta-feira, julho 17, 2009

A despesa nacional em I&D e o mistério do grande salto em frente de 2007

Os economistas que estudam a (im)produtividade da economia nacional há muito que identificaram um problema crítico, senão mesmo O seu problema crítico, e que é a falta do "factor imaterial" ou "intangível" da inovação no que se produz.

Mesmo já antes da presente década de estagnação económica nacional, nos tempos menos maus que a antecederam em que havia fundos europeus visíveis, verificava-se que havia trabalho, que havia investimento, mas que a combinação do capital e do trabalho (os factores "materiais") gerava pouco valor. E a situação piorou esta década. Consideram os economistas que o problema está na falta de valor do que se produz e que esta, por sua vez, resulta da falta de incorporação "intangível" de inovação e conhecimento na produção.
De inteligência, diria eu, já que a Inteligência Artificial tem demonstrado experimentalmente que, em domínios especializados como os profissionais, a inteligência é antes de mais conhecimento, e só depois a capacidade de o aplicar à resolução de novas situações.

A inteligência incorporada no que se produz é a inteligência dos gestores das empresas e dos seus empregados e, notando-se a sua falta de formação académica (comparando-a com a dos países desenvolvidos), conclui-se que o "baixo nível de qualificação escolar" da população activa portuguesa é um dos responsáveis pela referida falta de valor acrescentado na economia. Daí o consenso sobre a necessidade de melhorar a inteligência dos agentes económicos (frequentemente identificada com "qualificação" escolar, o que tem até levado à "qualificação" de conhecimentos "adquiridos na vida"...).

Por outro lado, os economistas olham para o que o país investe em Investigação e Desenvolvimento (I&D) e concluem que, comparativamente, se tem investido muito pouco, e que há uma correlação entre esse investimento (que os cépticos consideram uma despesa) e as taxas de crescimento económico nos países-modelo. E, atento a estes factos, o actual Governo adoptou um Plano Tecnológico que, pelo menos no "power-point", pretendeu atacar as três frentes do conhecimento, da tecnologia e da inovação.

Devo desde já manifestar que considero um grande progresso, relativamente a alguns Governos anteriores, o simples facto do actual ter manifestado consciência do valor da I&D como factor de desenvolvimento da produtividade nacional e ter decidido fazer qualquer coisa quanto a isso. Mesmo um simples "power-point" já é um começo!...

Porém, há uma grande diferença entre o valor economicamente reprodutivo da Ciência e o da Investigação Tecnológica Aplicada e, quanto a esta, entre a que se faz com vista à produção de papers e que a se traduz em patentes, como já escrevi. E, numa planificação coerente, as coisas têm de estar articuladas, como qualquer dia desenvolverei.

Para já, gostaria de mencionar que é um facto bem conhecido pelos que se preocupam com estas coisas que a I&D que produz riqueza e que aumenta produtividades é essencialmente a que se faz nas empresas, jogando as agressivas e impiedosas regras do jogo comercial que tem por objectivo ganhar... dinheiro. Para os que que não sabem do que estou a falar, eu explico: aquele dinheiro donde vêm os ordenados para os empregados, o capital para investimento em mais crescimento e os impostos do Estado donde se pagam os vossos ordenados!
Isto é um facto bem conhecido e cuja teoria este Governo tem manifestado saber, visto ultimamente ter vindo a ser apresentado como um seu feito notável o facto de, pela primeira vez, a despesa em I&D das empresas ter ultrapassado em Portugal a do Estado.

Com efeito, se durante muitos anos a despesa nacional em I&D em % do PIB era muito inferior à média europeia, o actual Ministério da Tecnologia sempre procurou elevar esse valor mas, de facto, até recentemente só o conseguira na componente pública que, como Portugal praticamente não tem tecnologia militar própria (uma despesa pública de I&D de reconhecidos efeitos multiplicativos na economia civil, que em Portugal é apenas de 1% da despesa em I&D, contra 13% da média europeia e 16% da espanhola), justifica a visão de alguns cépticos de que se trata, de facto, de mera ...despesa, e não de um investimento.
O facto é que o investimento empresarial em I&D (o tal que gera dinheiro de impostos, ao contrário do outro que gasta dinheiro de impostos) se tem mantido em Portugal muito abaixo dos valores dos países desenvolvidos e em particular dos europeus, aliás em perfeita correlação com o (fraco) registo nacional de patentes, como ilustra o gráfico ao lado (% da I&D suportada por empresas por país - OCDE, 2005). Até 2007.

Ora, segundo contas de 2008 do Governo, em 2006-2007 a despesa empresarial em I&D ultrapassou pela primeira vez a pública. Tratou-se de um sucesso notável e promotor do maior optimismo, se efectivamente traduziu uma modificação do padrão produtivo português. Porém...

O gráfico anexo mostra que este sucesso de 2007 resultou da prática duplicação da despesa empresarial só nesse biénio de 2006-2007 (linha amarela).

Ora, sendo Portugal um país pequeno onde toda a gente do mesmo sector de actividade se conhece ao fim de alguns anos, imediatamente surge a interrogação: mas onde e em que actividades terá ocorrido um tal reforço da I&D empresarial nacional, de que não conheço nenhum indício?

Não houve nenhum aumento da procura dos melhores alunos finalistas de engenharia como é usual as empresas intercederem entre os académicos, não há notícias que corram boca-a-boca de que em algum lado se esteja a desenvolver algum grande projecto de I&D, nenhum eco de tal nova actividade chegou à Universidade, nada!

Onde terá ocorrido então esse fantástico aumento do investimento empresarial em I&D de que não há nenhum vestígio palpável?

Uma busca permitiu localizar em que sector de actividade se verificou este suposto grande aumento da despesa empresarial em I&D: na Banca (vd. grafico anexo)! Mas também nos Serviços de Informática e nas Comunicações, verificando-se que na crucial Energia o investimento em I&D terá crescido... 80 vezes!!!
Como tenho um amigo de infância que é um engenheiro notável, trabalhou vários anos nos EUA para uma multinacional informática e criou há muito tempo uma empresa nacional sua que vive de inovadores produtos de alta tecnologia seus para a Banca, perguntei-lhe que se teria lá feito. E ele manifestou-me o maior espanto, dado que 2007 terá até sido um mau ano em investimentos tecnológicos pela Banca portuguesa!

Na Energia também não há conhecimento de nenhum incremento de actividade de I&D empresarial, àparte a compra "chaves na mão" da famosa central das ondas e, nas Comunicações, outra actividade essencialmente nas mãos de uma empresa onde o Governo manda através de "gloden shares", só se foi algo parecido.
Mas o que terá levado a Banca, sempre tão ciosa dos seus lucros e autonomia, a apresentar tão espectaculares despesas, só por si um aumento de 140 milhões de euros, metade da tal duplicação nacional, uma multiplicação por 6,5 vezes da sua despesa em I&D de anos anteriores?

Sem desistir de esclarecer este insondável mistério, continuei a pesquisar e descobri o seguinte:
Em 2005 o Governo criou um louvável incentivo fiscal à I&D, o SIFIDE, que criou a possibilidade de generosos descontos no IRC aos gastos com I&D pelas empresas. Em 2007 uma intensa actividade de esclarecimento foi patente, inclusivé por organismos ligados ao Ministério da Tecnologia, sobre como contabilizar as despesas de I&D nas contas das empresas, e sabendo-se como a Banca é perita em explorar até ao tutano todas as ambiguidades fiscais que se lhe ofereçam...
O sucesso "estatístico" desta medida foi tal que, já este ano, o Governo reforçou os generosos descontos fiscais permitidos às despesas em I&D empresarial.

Note-se que considero este tipo de despesa pública (ou não-receita fiscal, o que é o mesmo) um incentivo à I&D empresarial muito louvável, em abstracto. O que me incomoda é a ausência de qualquer evidência de que a I&D empresarial daí resultante não tenha sido apenas... uma I&D contabilística!
Até porque, quando trabalhei com uma empresa nacional por vários anos num projecto de desenvolvimento tecnológico subsidiado pelo PEDIP, vi como essas coisas se faziam: o segredo consiste em classificar como despesa em I&D despesas que o não são. Mas ao menos naquele tempo o dinheiro vinha de fundos estrangeiros e não de contribuintes nacionais, a causa era boa e no fim houve realmente novos produtos capazes de se venderem em mercados internacionais...
Ora o gráfico acima mostra que, apesar dos generosos descontos fiscais, neste biénio de 2006-2007 se verificou uma preocupante redução da I&D na indústria de equipamentos, a de bens transaccionáveis (como dizem os economistas).

1 comentário:

Anónimo disse...

Este é o problema dos indicadores. Quase sempre é mais fácil alterar o modo de cálculo do indicador do que realmente resolver o problema que o indicador foi desenhado para identificar.

Um pouco como tratar uma infecção com aspirinas porque o sintoma é a febre... É claro que este tratamento normalmente acaba muito mal para o doente.