sábado, julho 11, 2009

Aquecimento global e combustíveis fósseis: Transportes. Os EUA "at stake" e nós também!

Já notei aqui que a parcela de responsabilidade do uso dos combustíveis fósseis no aquecimento global é incerta. Esse uso tem responsabilidades e sabe-se quantificá-lo, mas as grandes incertezas estão no peso que têm as outras actividades, as ligadas ao uso da terra (basicamente a "desmatação" para ocupação humana e a agricultura, com uma população em crescimento permanente). Tais incertezas hão-de diminuir, sobretudo com as medições feitas por satélites e aviões especializados, mas por enquanto não se sabe se o uso dos combustíveis fósseis representa 1/4 se um pouco mais de metade, se algo entre esses valores, das causas do referido aquecimento. Seja como for, é um factor determinante.
Note-se que não estou a negar verdades oficiais do ambientalismo! Estou, pelo contrário, a expôr por palavras minhas o que consta na própria documentação produzida pelo Painel Intergovernamental (IPCC) patrocinado pela ONU!
Entretanto, abandonar o uso de adubos na agricultura (os nitratos aí usados têm uma elevada responsabilidade na emissão de gases "aquecedores do clima" - no mínimo 8%) seria desistir da que foi a 1ª grande revolução agrícola e condenar à morte pela fome boa parte da Humanidade; e quem ousará recomendar aos orientais o fim do cultivo do arroz, base da sua alimentação mas responsável por metade da emissão do metano causador de no mínimo 14% do referido aquecimento? Talvez pudéssemos recriminar aos povos subdesenvolvidos a queima de lenha, os fogos e a desflorestação responsáveis por no mínimo 18% do aquecimento global, muito mais que todos os transportes do mundo juntos, mas que alternativas temos para lhes oferecer que não sejam o adoptarem o nosso estilo de vida (o que aliás eles desejam ardentemente)?
Assumamos, porém, nós os da "sociedade de consumo", o ónus do aquecimento global e paguemos aos pobres na esperança de que eles aprendam a tratar melhor o seu próprio meio ambiente, e vejamos o que há para modificar no mundo industrializado. Até porque a produção de energia, os transportes e a desflorestação são os emissores cuja poluição mais tem crescido...

Começando pelos transportes, convém começar por notar que perto de 1/4 do seu consumo energético não ocorre em terra, mas sim no mar e no ar, sendo aliás o transporte aéreo aquele cujo consumo mais tem crescido. Exceptuando o regresso às velas ou à passagem ao nuclear no transporte naval, a única coisa a fazer é optimizar motores e rotinas de voo!
Por outro lado e quanto ao transporte terrestre, convém saber que as suas emissões de gases não são no mundo desenvolvido que mais têm aumentado! Aqui já quase toda a gente tem carro e o número de automóveis pouco tem crescido. É precisamente nos povos que estão a ascender ao nosso modo de vida que o aumento de consumo tem sido e será maior (vd. figura), pelo que assumamos o ónus, como cavalheiros, mas não nos culpemos pelo mal dos outros.
Naturalmente que muito se poderá fazer para reduzir as emissões dos veículos de estrada. Que recomenda o IPCC? Nada de revolucionário, para já:
- A redução do peso dos veículos, que cresceu desnecessariamente nas últimas décadas (os SUV...), neutralizando a melhoria dos motores que entretanto se verificou. Há algo de irracional em ter de dispender energia para mover 1500 kg de material quando apenas se pretende deslocar uma pessoa com 5% dessa massa!
- A adopção da tecnologia híbrida (que recupera boa parte da energia das travagens) e de motores de maior rendimento (diesel, sobretudo);
A longo prazo, de facto, primeiro carros híbridos carregáveis electricamente (plug-in hybrids) e depois puramente eléctricos, mas isso só valerá a pena quando a electricidade também for toda produzida por fontes não poluentes.
Entretanto, uma enorme redução de emissões resultará do incremento de transportes públicos nos circuitos casa-trabalho: autocarros e comboios eléctricos, nomeadamente metros.
Ora acontece que na Europa o automóvel já só é usado em 50% das deslocações, em benefício do transporte colectivo, enquanto nos EUA o é em 90%; por outro lado, os Diesel já são a regra na Europa (e em Portugal), e apenas nos EUA (onde não se usam Diesel) a Administração Obama definiu agora a meta de redução do consumo médio dos seus automóveis de 10 para 7 litros aos 100 km, que já é o consumo médio do automóvel europeu. Ou seja: no domínio dos transportes terrestres, são os EUA para quem as medidas reformistas preconizadas pelo IPCC implicam maiores mudanças de hábitos e mudanças nas estruturas de transporte terrestre. Aliás, basta comparar na figura acima as emissões de origem norte-americana com as europeias, tendo em conta a similitude de populações e automotorização, para o perceber.

Uma questão relevante é: e em Portugal, qual a percentagem de deslocações que é feita em transporte público? Dados em debate na Assembleia da República mostram que se em 1990 tal percentagem era de 50%, o mesmo valor que a média europeia, 10 anos depois ela reduzira-se para 37% e deve presentemente estar nos 30%. Tal mudança acompanhou a natureza das deslocações, que passaram de predominantemente intra-concelhias para inter-concelhias. Ou seja: os centros urbanos desertificaram-se e as pessoas, como passaram a morar mais longe, usam mais o automóvel - para não falar na falta de melhoria dos transportes colectivos.
Parece, pois, que a melhor forma de promover o veículo terrestre eléctrico e/ou reduzir o seu uso será promover a requalificação urbana e o uso de transportes colectivos eléctricos de alta qualidade. E abandonar a fantasia dos automóveis eléctricos para quando eles estiverem maduros. A menos que se queira à viva força dar vazão à energia do lobby eólico...!
Até porque comboios e requalificações urbanas sabemos fazer, assim haja planeamento! Para já não falar do enorme potencial de melhoria tecnológica que encerram...

5 comentários:

Anónimo disse...

Nos dados relativos a consumos, emissões etc. é bom não esquecer os valores per capita. Espelham melhor valores de evolução do desenvolvimento e justiça social.... Não foi assim que fizemos com Quioto e o resultado estará à vista.... entradas de leão e saída de sendeiro?

Lowlander disse...

E verdade que os automoveis electricos so serao verdadeiramente "verdes" se a energia electrica que usam for toda ela a partir de fontes renovaveis, ou, para o proposito da discussao do aquecimento global com uma pegada carbonica baixa.
No entanto mesmo no estado actual das coisas, automoveis electricos trariam vantagens porque:

1 - Mesmo que toda a electricidade mundial fosse produzida a partir do carvao (que o nao e) que e a fonte mais "carbon intensive", uma central termielectrica tem uma eficiencia energetica (entre 25 a 40% de rendimento por Kg) muito superior ao automovel (entre 10 a 15%). Sendo certo que haveria alguma perca no transporte da electricidade, mas no computo geral, emitiria-se menos CO2, mesmo que a electricidade fosse toda a partir de carvao.

2 - Logisticamente, e muito mais facil controlar as emissoes de algumas centenas de centrais termoelectricas grandes emissoras do que de milhoes de pequenas fontes emissoras individuais. Alias, a tecnologia de Captura e Armazenamento de CO2 que esta ainda na sua infancia, so e vista como viavel em grandes unidades emissoras como centrais termoelectricas.

Pinto de Sá disse...

Caro Lowlander,
Não se pode extrapolar da eficiência energética para a emissão de CO2. Duas centrais térmicas da mesma potência, uma a gás e outra a carvão, não produzem o mesmo C02: a de carvão produz mais. Só que o custo do kwh é menor na de carvão!
Porém, a questão que poderá interessar do ponto de vista do C02 é a comparação entre o CO2 emitido pelo motor do automóvel para produzir, por exemplo, 1 kwh, e o CO2 emitido por uma central eléctrica que faz o seu percurso pela rede eléctrica e a bateria do automóvel até entregar ao veio deste o mesmo kwh.
Existe uma instituição patrocinadora de I&D na energia eléctrica, a EPRI, que já promoveu esse estudo. A conclusão é que se a fonte de electricidade for o carvão, efectivamente o carro eléctrico PIORA as emissões de CO2.
Nestas coisas, não vale a pena pormo-nos descobrir a roda. A larga maioria das ideias que nos ocorrem já ocorreram a outros e foram estudadas. Temos é que nos informar.
Cumprimentos.

Lowlander disse...

Eu admito que a minha fonte nao e uma instituicao cientifica e/ou artigo cientifico:

http://www.bbc.co.uk/bloom/actions/electriccars.shtml

Mas nao e totalmente destituida credibilidade e ja vi o mesmo raciocinio descrito, se bem que numa caixa de comentarios, no RealClimate por um dos moderadores. Admito que possa haver enganos.
1 - O que e o EPRI exactamente?
2 - Link para esse estudo?
3 - E na situacao actual, com a rede electrica actual que temos e tendencias actuais de evolucao, uma substituicao da frota de veiculos a combustao interna por EV aumentaria ou diminuiria as emissoes?

Pinto de Sá disse...

EPRI = Electric Power Research Institute.
Pode procurar aqui, que encontrará muita coisa:
http://my.epri.com/portal/server.pt?space=CommunityPage&cached=true&parentname=ObjMgr&parentid=2&control=SetCommunity&CommunityID=221&PageIDqueryComId=0