quinta-feira, dezembro 31, 2009

Um negócio e peras!

Como é sabido, nos últimos dias tem chovido e estado imenso vento.
Sendo assim, surge uma questão interessante: à noite, quando o vento sopra mais forte, e dado que as barragens estão cheias de água da chuva e não podem armazenar mais, que tem feito a REN ao excesso de energia eólica existente?
Desde há dias que a REN deixou de publicar gráficos (diagramas diários), se não mostrava-vos.
Como não posso mostrar, posso apenas somar 2 e 2, a partir de outros dados da REN. Por exemplo e relativamente à véspera de Natal:
  • As eólicas estiveram a trabalhar à potência média de, somando-lhe alguma cogeração, 3188 MW, atingindo o máximo de 3848 MW;
  • As hídricas estiveram também a produzir uns 1504 MW, em média, chegando a atingir o máximo de quase 1840 MW.
  • As térmicas produziram em média apenas 1167 MW, e portanto estiveram apenas com o mínimo de segurança ligado.
  • O consumo médio foi de 5596 MW, incluindo 425 de bombagem para armazenamento e 160 de importação.
Mas, obviamente, e embora os sumidos diagramas da REN não permitam mostrá-lo, de madrugada havia de certeza excesso de energia eólica na rede, e não se podia desligar as eólicas nem fechar as comportas das hídricas. Que se fez então a tal energia excedentária?
Exportou-se, só pode ter sido isso.
A que preço?
Pois os dados da REN estão difíceis de aceder. O computador deles dá repetidamente o erro de "server too busy". Mas pode saber-se o seguinte: o preço do kwh no mercado ibérico tem estado a 2,99 ç/kwh, e há o gráfico de preços marginais que anexo.

Sabendo-se que o kwh é pago ao nosso produtor eólico à volta de 9 ç/kwh, digam lá se isto não é um negócio e peras?...
E também se fica a perceber o porquê do investimento previsto em armazenagem hídrica...

quarta-feira, dezembro 30, 2009

A central das ondas do Governo - corrigido e com mais um parágrafo

Ontem, nem percebi bem porque razão, os media lembraram-se de ir visitar o túmulo da central eléctrica de energia das ondas que jaz na Póvoa de Varzim, paralizada sem remédio apenas 3 meses depois de inaugurada. Custou esta experiência, totalmente importada chaves-na-mão e sem qualquer incorporação portuguesa a não ser o dinheiro investido, 9 milhões de €, dos quais 1,2 milhões do erário público, e vale a pena ouvir as palavras do então Ministro da Economia (no hyperlink atrás) para ver a grandiloquência do projecto!
A central começou a funcionar e ao fim de 3 meses avariou de tal maneira que a construtora saiu do projecto.
Mas, segundo a reportagem da SIC para que hyperlinko atrás, há mais projectos destes em preparação, aparentemente "encalhados" por burocracias. E, dizem os jornalistas e um tal Sr. António Sarmento de um "Wave Energy Center", que assim Portugal "corre o risco de perder a corrida"  a esta forma de energia. E qual a contribuição de Portugal para tal corrida? Como explica a reportagem, uma tarifa subsidiada que "despertou o entusiasmo em todo o mundo" que teria protótipos para testar e ninguém que pagasse a experiência...

E no entanto, esta não é a primeira central de ondas testada em Portugal.
Ao que parece, já toda a gente se esqueceu da central da Ilha do Pico, decidida em 1992 e inaugurada em 1999, e imediatamente transtornada por avarias constantes que a paralisaram até 2005, quando um consórcio a repôs em funcionamento por um ano apenas para confirmar "a persistência de limitações técnicas na estrutura original do grupo gerador"...
A ideia parece não ter sido de todo abandonada, mas em 2008 já eram até os próprios suportes em cimento da estrutura que estavam danificados pelo mar...
Será que andamos com azar, em Portugal?

A verdade é que a História das tentivas de conseguir usar a energia das ondas para produzir electricidade tem mais de um século! É uma história antiga e com múltiplas experiências prototípicas em variados países do mundo, com realce para o Reino Unido e o Japão, e que se defronta com problemas semelhantes aos das turbinas eólicas, mas ainda muito mais difíceis!
Tal como para as turbinas eólicas, as bases científicas para o seu projecto foram estabelecidas na altura da II Guerra Mundial por um país beligerante com carências dramáticas de petróleo, neste caso o Japão. Compreende-se, por isso e aliás, que desde então e até aos anos 90 o Japão tenha investigado infatigavelmente formas de extrair energia das ondas. O Japão tem tudo o que é preciso para liderar tal tecnologia: décadas de experiência, excelentes e muitos engenheiros, óptima capacidade industrial, imenso mar e falta de recursos naturais em combustíveis fósseis!
E no entanto, o Japão nunca passou até agora da fase dos protótipos experimentais.
Além do Japão, muitos outros países têm investigado teórica e experimentalmente à exaustão diversas soluções, dos EUA ao Reino Unido, passando pela Austrália, Irlanda, e outros. Mas experimentação comercial, essa, só em... Portugal!!!
E qual é a dificuldade técnico-económica que tem impedido o resto do mundo de considerar que se podia passar à fase comercial desta tecnologia?
Um problema similar ao que defrontam as turbinas eólicas, mas em muito pior escala: a extrema irregularidade e variabilidade das ondas! Basicamente, uma turbina de ondas tem de ser capaz de suportar uma potência instantânea máxima nas ondas 10 vezes maior que a potência média que extrai delas, enquanto no vento essa relação é só de 4 vezes.
Ora se este problema já tornou extremamente difícil a construção de pás para as turbinas eólicas que suportassem o vento sem se partirem (o que só há poucas décadas, e só para os melhores fabricantes, foi conseguido), imagine-se a dificuldade do problema para as turbinas de ondas! Além disso estas turbinas têm de ser capazes de suportarem tempestades oceânicas e a corrosão marinha. Claro que se pode sobredimensionar uma turbina para aguentar tal esforço, mas então o problema passa a ser económico: a potência média que tal turbina extrai das ondas não paga o sobredimensionamento que a referida potência máxima requer, nem de perto nem de longe!
Talvez um dia se encontrem soluções que resolvam satisfatoriamente o problema. Portugal até tem participado nessa investigação, como a central da Ilha do Pico atesta, uma central experimental em que o Prof. António Falcão do IST tantos anos da sua investigação académica investiu e em que algumas empresas nacionais põem lá o nome mas nenhum empenho.
Recentemente, o Prof. António Falcão publicou um artigo de síntese numa prestigiada revista em que descreve as inúmeras opções tecnológicas em investigação, sobretudo na União Europeia desde que esta resolveu financiar tal pesquisa no início dos anos 90. Sendo um artigo focado nas opções tecnológicas, ele conclui notando que as turbinas de ondas, para serem viáveis, têm de ter dimensões que as tornem ressonantes com a oscilação das ondas (que nem é sempre a mesma), o que por sua vez requer que não possam ser pequenas, o que implica sempre um elevado custo para as instalações experimentais, impedindo que se evolua de pequenas turbinas para maiores á medida que se adquira experiência e resolvam os problemas construtivos, como aconteceu com as turbinas eólicas.
Um grande mistério é por que razão ninguém fala da experiência da Ilha do Pico que antecedeu a "Pelamis" que tanto entusiasmou o Ministro Pinho! Ou será que ele(s) até sabia(m) que aquilo nunca funcionaria e esperava(m) apenas que ninguém mais falasse no assunto a seguir à (encomendada) inauguração? É inacreditável...

Nota: os meus agradecimentos ao colega Gil Marques pelo comentário privado que me endereçou.

sábado, dezembro 26, 2009

A História a passar ao largo de Portugal, novamente.

Parece que, por fim, a preciosa liberdade de pensamento da democracia se faz sentir e o Expresso dá voz a uma posição realista e sensata sobre o problema climático: entrevista Bjor Lomborg.
Lomborg não nega o aquecimento global nem a sua origem antropogénica. O que faz é desdramatizá-lo, face aos muitos outros problemas com que a Humanidade no seu conjunto se defronta, e critica as políticas ecotópicas que pretendem lidar com o problema construindo um Admirável Mundo Novo, notando, nomeadamente, a necessidade de investir muito mais em Investigação e Desenvolvimento (I&D), e não tanto em políticas de corte das emissões.

Esta última questão, a da necessidade investigar soluções tecnológicas que ainda não existem, tem sido algo que tenho procurado mostrar com alguns casos concretos, como o da energia solar fotovoltaica e o do automóvel eléctrico e respectivas baterias. Para já não falar de outras componentes que nem se sabe se alguma vez existirão (a custos razoáveis), como o dos meios de armazenamento de energia necessários para regularizar a intermitência das fontes de energia renovável.
Uma política energética de corte de emissões de CO2 que tenha em conta estas realidades científicas e que seja guiada pela sensatez, isto é, pela preocupação em não esmagar os povos com custos exorbitantes, foi a estudada pelo EPRI norte-americano e que já aqui referi, e que aponta para a necessidade de apostar no nuclear a curto prazo, e na captura e sequestro do carbono das centrais a carvão a médio prazo.
Mas, mesmo tal política energética apenas resolverá 1/5 do problema global das emissões de Gases de Efeito de Estufa. Há toda uma indústria pesada que terá de ser reformulada nos seus processos energéticos e há os problemas do mau uso dos solos, do tratamento dos lixos e sobretudo o da desflorestação (esta responsável, só por si, por tantas emissões como a produção de energia eléctrica). Ora resolver esta parte do problema requer a colaboração de todos os povos pobres, e não se vê como tal seja possível sem um Império mundial.
Os povos de África, da Indonésia ou do Brasil que queimam as florestas não o fazem por serem pirómanos. Fazem-no porque desde sempre a conquista de terreno arável e habitável à floresta foi vista como uma coisa boa, exigida pelo mero crescimento demográfrico. A Humanidade, com efeito, tende simplesmente a ocupar todos os bocadinhos de terreno do planeta que possam ser habitáveis...
Ora como impedir tal coisa? Pagando? Pagando para que esses povos abandonem o seu modo de vida tradicional e de repente se industrializem e vivam em cidades limpas? Pagando para que as monstruosas favelas em que vivem, quando vivem em cidades, se transformem em bairros limpos como os de Copenhaga? Mas têm os ecotópicos nocão da escala que isso comporta? E do que desejam de facto essas populações? Não é por acaso que Hollywood deu este ano o Óscar de melhor filme a uma produção estrangeira, "slumdog millionaire" - de facto, poucos filmes nos mostram tão bem como este o que são, como vivem e o que desejam, os povos cujo desenvolvimento tanto assusta os ecotópicos...
É evidente que não há nenhuma política de subsídios que possa impedir sustentavelmente esses povos de se multiplicarem e desenvolverem. É uma realidade incontornável. E se com ela, se com o crescimento explosivo da população humana que o próprio sucesso da modernidade trouxe, o clima for alterado, não se vê que tal possa ser impedido a não ser com um Império mundial, eventualmente alicerçado na ONU, e que use, como sempre sucedeu na História, a guerra e a violência para se impor onde tal for necessário.
A única razão porque isso não vai acontecer é porque a Europa, a grande preocupada com isto, já não está, e estará cada vez menos à medida que o tempo passe, em condições de impor a sua antiga ordem colonial. E por isso toda a causa ecotópica não passa de um devaneio espúrio que usa slogans de estilo maoísta como o dos 20-20-20 (20% de redução de consumos, 20% de energia renovável, para 2020) e que de vez em quando sofre um duche frio de realidade, como aconteceu agora em Copenhaga.
Existe outra proposta imperial para o problema: Bernardino Soares, do PCP, alvitrou-a há dias num debate na SIC sobre Copenhaga: "É preciso mudar a ordem económica", disse. Acabar com a busca do lucro, presume-se, que será a fonte de todos os males e irracionalidades que afectam a Humanidade actual, e substituí-la por uma nova ordem, uma ordem guiada pela busca do bem comum protagonizado pela vanguarda histórica. Não pude deixar de me lembrar dos navios a seco no Mar de Aral que a antiga URSS matou, ou da tremenda ineficiência poluidora da sua indústria pesada. Mas compreende-se como a causa verde pode ter a convergência da actualmente despatriada causa vermelha: ambas querem um Mundo que nada tem a ver com a realidade existente, e ambas têm uma visão do Homem que não é a da Humanidade que existe. Mas ambas têm também uma falta semelhante: falta da força para forçar o advento desses amanhãs que cantam! Daquela força que, segundo um velho pensador, é "a parteira da História"...
Na falta de um Império que estabeleça a ordem mundial ambicionada pelos ecotópicos, a vida continuará a decorrer como sempre e o que vai mudar são os mercados de equipamentos, cheios de novas oportunidades para quem tiver unhas que toquem guitarras produtivas - ou seja, a China, a Índia, a Coreia, o Japão - a Ásia, em suma - e a Alemanha, a Dinamarca, a França (com as suas nucleares) e talvez até a Espanha! Quanto aos EUA, estão com um sarilho que talvez custe as próximas eleições ao Presidente Obama!...

E que acontece entretanto na Lusitânia?
O períódico que é talvez a melhor referência do jornalismo nacional anuncia em grandes parangonas que mais uma vez um português inventou a pólvora, revolucionando a partir de uma ideia que teve na Lourinhã o mundo da energia eólica, e a notícia bate o record de leituras on-line! Tamanha ignorância sobre tudo o que já foi investigado lá fora e que cá se desconhece sobre tecnologia de turbinas eólicas, a par de uma prosápia patrioteira patética, só tem par na notícia oficial segundo a qual Portugal aqueceu mais nos últimos anos que o resto do Mundo e na forma como o Primeiro-Ministro explicou que Portugal vai resolver o problema do seu desenvolvimento económico: investindo nas energias renováveis para garantir a independência energética nacional e nomeadamente do petróleo!...  Como se petróleo e energias renováveis tivessem alguma coisa a ver um com as outras!!!...
Mais uma vez, a História está a passar ao largo de Portugal.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

A "taxa sobre o Carbono" francesa e a "divisão europeia"

Diz hoje na imprensa o nosso pensamento único sobre o clima, que "a Europa está dividida sobre a aplicação de uma taxa de carbono" sobre os países que, em Copenhaga, não subscreveram as propostas europeias para a redução das emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE).
Lendo assim a notícia, parece que a tal divisão entre os países europeus seria uma questão de fervor na adesão à causa ecotópia. No entanto...
Quem é que propõe a tal "taxa sobre o carbono"? A França! E quem é que se lhe opõe? A Alemanha!
Não acharão os jornalistas estranho que seja a França a propor a tal "taxa sobre o carbono", quando em matéria de causas climáticas ela tem andado caladinha, e que seja a Alemanha a opor-se, quando tem sido ela a grande campeã dessa causa?
Ora qual é a situação da França em matéria de emissões de GEE? É boa. Porque 80% da sua energia eléctrica é de origem nuclear, que como se sabe não deita fumo (nem CO2), e 10% de origem hidroeléctrica. A França, graças ao seu já antigo desenvolvimento da aposta nuclear, é um país que se pode arvorar em campeão "green" sem ter tido de mudar rigorosamente nada no seu modo de vida. Aliás, essa "verdura" efectiva coexiste com uma atitude de evidente sarcasmo para com outros países vizinhos, como a Dinamarca e a Alemanha, que sendo campeões ideológicos da "verdura" têm, no entanto, a maioria da sua energia eléctrica com origem na queima de combustíveis fósseis (mesmo a Dinamarca, que a par do vento tem uma importantíssima componente de cogeração, que não deita menos fumo que as centrais a fuel, e carvão).
Outra das razões do sarcamos francês para com os seus vizinhos eólicistas é que estes dependem do nuclear francês para a estabilidade das respectivas redes, como tem sido demonstrado de cada vez que há um apagão regional.
Mas porque saiu agora a França do seu low-profile ecológico, propondo a tal "taxa de carbono"? Porque, como ela própria justifica, esses países fazem uma "concorrência desleal".
Ora a ideia de que os países asiáticos e em geral os estrangeiros não-europeus fazem à França uma concorrência económica desleal, é velha. O grupo PSA (Peugeot-Citroen), por exemplo, passava a vida a reclamar o boicote aos automóveis japoneses, e é francês aquele agricultor (altamente subsidiado pela UE, aliás), que se tornou famoso por atacar McDonalds americanos!
Por mais antipática que possa ser, este chauvinismo tradicional da França mostra que a velha política de cada um defender os seus interesses nacionais, continua actual.
Posto isto, porque recusa a Alemanha esta "taxa sobre o carbono" dos produtos importados dos países não-aderentes às propostas ecológicas europeias?
Pela mesma razão, claro, porque a Alemanha se opõe sempre a qualquer medida europeia proteccionista: a de que ela é (ainda) o maior exportador mundial de produtos industriais, e sabe que esse proteccionsimo europeu implicaria retaliações dos mercados para onde exporta!
Mais uma vez, é preciso dizer aos jornalistas a velha frase da campanha eleitoral de Clinton conta Bush pai: é a economia, estúpido!


 

domingo, dezembro 20, 2009

Copenhaga: um banho de realidade!

Há 18 dias escrevi aqui um post em que afirmava que "a China, com os EUA, será quem determinará o futuro do tratado climático", e também que "o que a China propóe para Copenhaga será o que a Índia, o Brasil, e todos os países que ambicionam sair da miséria e serem grandes potências adoptarão: reduzir a "intensidade do CO2 da sua economia" desde que nada limite o crescimento desta". E notava ainda que a Europa dos 27, que já só tem 1/12 da população mundial, terá em 2050, data-alvo das negociações, apenas 1/18 dessa população...
Pois o acordo aí está a confirmar o que escrevi e que era óbvio a quem conseguisse ver através da mistificadora propaganda com que o pensamento único de Bruxelas nos intoxica diariamente: "acordo vago e sem ambição acaba com liderança da UE", escreve o Expresso. Ora essa liderança só existia na cabeça iluminada pela causa da salvação do Mundo dos ecotópicos europeus, como os números da demografia e da economia incontornavelmente demonstram, e sobretudo os números das suas derivadas (ou, em linguagem não-matemática, dos seus ritmos de crescimento). Iluminação que, parece, acometia o nosso Presidente europeu e o nosso Primeiro Ministro...
Os EUA lideraram, de facto, um acordo para 2050. No sentido em que se entenderam com quem, de facto, será relevante neste mundo em 2050. E a Europa, que acolheu o oportunismo de países como o Sudão, que genocida as suas populações do Sul e que se queixa de que eles e os outros países pobres só emitem 3% dos Gases (repetindo a conversa da extrema-esquerda ocidental que esquece que os próprios relatórios da ONU contabilizam em de 40 a 50% a contribuição da desflorestação e maus usos do solo desses países para o Aquecimento Global), essa Europa será quem pagará 45% dos fundos de "ajuda" aos países pobres. O Japão pagará outros 45% e os EUA... 5%!
É que estas coisas nos EUA discutem-se a sério, e ai da Presidência americana se tivesse alinhado em semelhante conversa por cá, que nunca mais teria hipótese de aprovar alguma coisa no Senado!
Paises pobres que queriam a garantia da continuação de Quioto. E porquê? Porque Quioto não lhes exige nada e garante uma renda em "ajuda" que, em muitos desses países e como se sabe, vem a acabar em contas numeradas na Suiça e off-shores de variada localização!
Não, nem americanos, nem chineses (que entretanto tentaram aumentar a sua influência sobre esses países), nem indianos, vão em tal coisa.
E, basicamente, o que os EUA fizeram foi neutralizar a tentativa chinesa de liderar o 3º Mundo na sua reivindicação "anti-imperialista" (uma orientação que já vem de Mao Tsetung) enquanto, ao mesmo tempo, trabalhavam uma aliança com a África do Sul, único país que geopoliticamente interessa na África sub-sahariana e a longo prazo.
Brilhante!
Isto, politicamente.
Quanto ao Aquecimento global... logo se vê! Vai-se fazer o melhor possível, entretanto.
Quanto a Portugal: bem, a realidade de estarmos na senda da Grécia também se vai impondo de forma crescente dia a dia. Vejamos o que acontece à Grécia, porque a seguir seremos nós.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

A fábrica de baterias de Aveiro e o que Portugal fica a dever ao Grande Líder

Toda a gente sabe que foi inaugurada uma fábrica de baterias de iões de Lítio da Renault-Nissan, em Aveiro, para o anunciado automóvel eléctrico. Implicará um investimento de 160 milhões de € e criará 200 empregos, e o Administrador agradeceu as excepcionais condições oferecidas por Portugal e que determinaram a nossa escolha, entre os 27 países da União.
De caminho, o Primeiro-Ministro afirmou que, no passado, Portugal sempre tinha chegado atrasado às novas tecnologias mas que, agora, com ele, se colocava finalmente na dianteira.
Uma afirmação desta grandeza só pode, de facto, provir de um Grande Líder que Portugal não tinha, salvo erro, desde D. João II.
Entretanto, porém, uma Associação de PME protestou por se sentir discriminada e explicando que o Governo cobria, através da CGD, os riscos daquele investimento.
Mas haverá riscos?

Ora há momentos cruzei-me com um colega meu que, apesar de não ser da "cor" política do nosso Primeiro-Ministro, acredita no carro eléctrico. Trocámos umas palavras e, a certa altura, eu disse-lhe: " ...o pior é a duração das baterias!". Ele olhou para mim obviamente sem entender e eu expliquei-lhe: "é que as baterias são as mesmas que usamos nos telemóveis; já viu quanto tempo duram?"
Ele, que foi obviamente apanhado em falso mas que nunca dá o braço a torcer, negou. "Não, não são nada!"
Não tive tempo de lhe dizer para abrir o telemóvel e ver, mas digo-o a vocês. Hão-de lá ler algures: Li ion". Iões de Lítio. Claro que são as mesmas baterias. E também as dos portáteis. Experimentem abrir os equipamentos e comprovem por vós próprios!

A do meu portátil, comprado no Verão de 2008, já está nas últimas. E a do telemóvel, que é de 2006, já vai na segunda que compro - quase por 1/3 do preço do próprio telemóvel!
Claro que as baterias não são exactamente as mesmas. São muito maiores e cheias de dispositivos de controlo e segurança. Mas a tecnologia química é a mesma e padece exactamente dos mesmos problemas das baterias dos nossos habituais gadgets.
Já expliquei isso tudo aqui! Se quiserem, consultem.
E aos hyperlinks que lá inseri e que vos permitem desenvolver a vossa informação.

Voltando ao investimento da Renault: dado o problema da curta vida e alto preço das baterias de iões de lítio, é evidente - também já postei noutros lados o que se pensa sobre o assunto internacionalmente - que o futuro não está nestas baterias e que ainda há muita investigação fundamental a fazer até se encontrar uma boa solução. Pelo que se trata de uma fábrica com os dias contados.
Mas o Governo de Portugal acha bem subsidiar a indústria estrangeira.
Já o fez nas eólicas, e agora estende-o às marcas de automóveis em dificuldades...
À custa do défice e, sobretudo, das PME preteridas!

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Desafio à APREN e aos media que lhe fazem eco acrítico

De um leitor conhecedor destas coisas, recebi o seguinte comentário, que republico:

Já leu esta notícia do Diário Económico ?  Portugal poupa 15.300 milhões com as renováveis.

Começa assim : Os números prometem esmagar os mais cépticos.”
E termina assim :
Uma verba que daria para construir três novos aeroportos de Lisboa ou pagar, com bastante folga, a nova travessia rodo-ferroviária sobre o Tejo. As contas constam de um estudo sobre o impacto económico das renováveis, encomendado à Deloitte pela APREN - Associação de Energias Renováveis.”

Não vi o estudo, mas numa primeira impressão tenho fortes dúvidas de que as renováveis permitam poupanças daquela ordem de grandeza.
Gostava de conhecer a sua opinião.
Só o facto de renováveis como a eólica e a fotovoltaica exigirem a disponibilidade de fontes de backup põe em dúvida a ideia de que o investimento em renováveis nos permita poupar grande coisa.
O nosso PM veio há dias clamar que tal investimento nos permitia reduzir o endividamente externo. Acho isto uma fantasia. Até porque, como o Prof. tem aqui mostrado, os equipamentos são maioritariamente adquiridos no estrangeiro. Só o vento e o sol é que não, mas não sei se chega para compensar. E depois, há aqueles preços subsidiados que vão agravar o défice tarifário.
Enfim, independentemente de uma análise mais detalhada, quer o estudo, quer a notícia, cheiram muito a “encomenda”.
De facto, "Esmagar os cépticos" parece-me linguagem “soprada”. E toda esta fartura vem demasiado a calhar para os dois principais interessados. De facto, junta-se a fome (Governo) à vontade de comer (APREN).
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De facto, vi a notícia e procurei de imediato o tal estudo na net, para conhecer a argumentação desenvolvida.
A única coisa que encontrei foi que a notícia foi cuidadosa e metodicamente "plantada" em todos os jornais e televisões relevantes, que obedientemente lhe fizeram eco.
Mas, quanto ao estudo propriamente dito, não está acessível ao público em parte alguma!
Desafio, pois (sem esperança de resposta), a APREN e/ou a Deloîtte para que coloquem o referido estudo on-line ou acessível ao Público de alguma forma.
E desafio os nossos jornalistas a que deixem de se fazer eco de notícias "plantadas" para as quais não podem ter tido nenhuma confirmação!

E já agora, a empresa que fez o estudo encomendado, é a mesma Deloîtte posta nos píncaros pela mesma COTEC que "plantou" no jornalista Nicolau Santos a "informação" de que Portugal triplicou o número de patentes registadas na Europa desde 2004, e a mesma que não encontrou nenhuma irregularidade na actuação da Administração da REN, na auditoria que lhe foi encomendada, poucos dias antes de precisamente o sr. Eng.º Penedos ter sido constituído arguido por ilegalidades nessa actuação...!

Estaremos já a viver sob o domínio da Máfia?

De novo as patentes: a propaganda e a triste realidade

Num entusiasmado editorial do Expresso, o jornalista Nicolau Santos manifesta a sua felicidade pelo grande salto em frente que o nosso país estará a dar, com o presente Governo, em matéria de Investigação & Desenvolvimento, o que seria tanto mais admirável quanto o nosso país seria avesso ao risco e à Inovação, segundo ele.
Nicolau Santos alinhava os grandes números a que já estamos habituados e que eu já desmontei aqui e aqui e noutros posts anteriores, mostrando que não passam, no que respeita às empresas, de pura mistificação contabilística.
Porém, e contradizendo o que eu notara no último dos posts para que hyperlinko acima, a dado passo Nicolau Santos afirma, certamente porque alguém lhe mentiu isso (ao estilo da propaganda de Goebels), que com este Governo face a 2004 Portugal aumentou 3 vezes o número de patentes registadas na União Europeia!

As patentes registadas na Europa por país de residência na última década podem ser consultadas aqui. São as patentes provenientes de um enorme número de países, totalizando uma população de cerca de 2200 milhões de habitantes. Junto o gráfico construído a partir destes dados, que mostra que:
  1. A linha a encarnado é a evolução da totalidade das patentes. Como é visível, há um crescimento geral mas com irregularidades, com grande probabilidade devidas ao próprio funcionamento do Gabinete de Registo de Patentes. Assim, a partir de 2003, inclusivé, há quase uma duplicação do número de patentes anuais registadas provenientes de todo o Mundo. Essa quase duplicação que ocorreu em 2003 e depois se manteve, também afectou as patentes portuguesas (a verde) e as espanholas (azul) e, portanto, deve ser vista como um bias do próprio processo de registo de patentes, e não tirar dali nenhuma conclusão para cada país particular.
  2. As linhas representando Portugal (verde) e Espanha (azul) foram normalizadas por mim para as respectivas populações, para se terem termos comparáveis. Concretamente, os números portugueses foram multiplicados por 220 e os espanhóis por 58, para ter em conta as respectivas populações.. Os gráficos mostram, assim, o número de patentes per capita.
  3. Como é evidente, e em relação a Portugal:
  • O nosso número de patentes per capita é uma ordem de grandeza inferior ao da média dos países registados;
  • É também significativamente inferior ao de Espanha, na verdade apenas cerca de 1/5 (per capita, note-se!);
  • Portugal estagnou, desde 2003, que foi o melhor ano de sempre; não houve aumento desde 2004 e muito menos uma triplicação!
  • O aumento que se verificou em 2003 relativamente ao passado resulta de alterações no processo europeu de registo de patentes, visto que o mesmo aumento beneficiou toda a gente. Pelo que se pode concluir que, descontando esse bias, de facto Portugal está estagnado desde 1999.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Portugal e o reino da Dinamarca

O Governo português acaba de legislar hoje a criação de uma rede de abastecimento de (inexistentes) carros eléctricos. E, segundo os media ao serviço do Ministério da Propaganda, o consumidor poderá pagar com cartão Multibanco em função do operador eléctrico a que está vinculado, como se isto da energia fosse um mercado de retalho. Tratam-se de 1300 postos espalhados pelo país e não se sabe quanto custarão.
Curiosamente e também hoje, o New Yort Times fala dos planos da Dinamarca para fazer um "show" publicitário na cimeira que começa dentro de dias em Copenhaga, mostrando como se já fossem de uso corrente alguns carros eléctricos entretanto encomendados. A Dinamarca, que não fabrica automóveis, concede um desconto fiscal de 25000 € em cada carro eléctrico e estacionamento grátis em Copenhaga, mas apesar de todos os esforços de promoção pelo seu Governo e da cultura "green" fortemente radicada no país, pouca gente lá parece interessada na oferta. Vale a pena ler a notícia do NYT para que hyperlinkei para perceber porquê.
Segundo o NYT e como estamos fartos de saber, o propósito do Governo dinamarquês, como aliás do nosso, é dar vazão ao excesso nocturno de energia eólica carregando as baterias dos carros, dado que a Dinamarca é o país do mundo com maior percentagem de energia eléctrica de origem eólica (20%) e não pode fazer barragens reversíveis para a armazenar à noite como nós, por ser plana.
O nosso Governo ambiciona ultrapassar a Dinamarca em % de energia eólica, chegando aos 25% e tornando-se com isso o campeão mundial. Mas há uma grande diferença entre Portugal e o reino da Dinamarca neste assunto: é que a Dinamarca, que há já um século que usa o seu forte vento costeiro para produzir energia, tem o maior fabricante mundial de turbinas eólicas, a Vestas, que emprega lá directamente perto de 25 mil pessoas (numa população que é metade da nossa) - vd os números da tabela ao lado, da European Wind Energy Association - , exporta anualmente 4 biliões de € e fornece metade dos mercados mundiais em mais forte crescimento!
E nós, não...!

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Aquecimento Global? É a economia, estúpido!...

Como habitualmente de cada vez que falo em "clima", recebi um conjunto inflamado de comentários ao meu post anterior - uns, indignados com a persistência dos "negacionistas" na blogosfera (último reduto que lhes resta no "Admirável Mundo Novo" que consideram estar paulatinamente a criar-se), outros clamando contra as "trapaças" dos advogados da antropogenia do Aquecimento Global.
Entretanto, um interessante artigo de um editor da Scientific American coloca a questão dos emails revelados ao público numa perspectiva apaziguadora: mais do que factos ou mentiras científicas, eles revelam a agudeza da luta ideológica que se trava entre cientistas nesta matéria. É que se a ilicitude com que foram obtidos os emails não os desmente, também é verdade que os próprios emails não desmentem só por si o essencial dos factos que fundamentam a convicção dos defensores do Aquecimento global antropogénico.
Subsiste apenas o "pequeno" mistério de por que razão a temperatura do globo estacionou na última década e nenhum modelo climático antropogénico consegue explicar isso, como os emails revelados confirmam...
O certo é que, independentemente de assentar numa base científica sólida ou de, pelo contrário, ter por premissa um dos maiores mitos científicos da História (e valha-nos no IST a voz livre e crítica do Prof. Delgado Domingos para se indignar), o 1º Mundo caminha de forma quase consensual para um tratado limitador das emissões de CO2.
Nas últimas semanas foram a Austrália, a Nova Zelândia e a Califórnia (a 8ª economia mundial) que adoptaram metas redutoras das emissões de CO2. É também quase certo que os EUA acabarão por adoptar medidas nesta matéria, e até o Presidente Lula já manifestou a intenção do Brasil aderir ao tratado em preparação (apesar da consciência recente de ser uma potência petrolífera lhe moderar o ecologismo), depois de também o novo governo do Japão ter assumido objectivos ambiciosos no assunto.

Entretanto, tanto a Índia como a China, os colossos asiáticos cujo rápido desenvolvimento económico mais assusta os climatologistas, têm adoptado uma posição ambígua.
Por um lado, oficialmente arrastam os pés para qualquer compromisso mas, ao mesmo tempo, no plano interno desde os anos 90 que têm estado a apostar furiosamente no desenvolvimento das indústrias e know-how que hão-de explorar os mercados emergentes das tecnologias "verdes", como descrevi aqui a propósito das eólicas e aflorei aqui, no que respeita ao solar, relativamente à China.
China que, com os EUA, são de facto quem determinará o futuro do tratado climático e das alterações económicas decorrentes.

E isto traz-nos perante a seguinte constatação: o Aquecimento Global de origem antropogénica, do ponto de vista científico poderá ser discutível e ainda incerto mas, do ponto de vista económico, é garantido, enquanto promotor de grandes alterações tecnológicas e correspondentes indústrias e mercados. E, uma vez obtido um Tratado nesta matéria, o que se vier finalmente a comprovar cientificamente sobre o Aquecimento global, talvez daqui a uns 20 anos, será irrelevante!...

Podemos mesmo ser até um pouco cínicos e conjecturar que tudo isto não passa da criação de uma onda de necessidades artificiais visando reanimar a economia de consumo, sobretudo agora que ela caiu em recessão e que é conveniente seguir os ensinamentos de Schumpeter, criando novas necessidades que propiciem novos mercados para novos produtos, uma promoção de consumo similar à que cada 4 anos lança novos modelos de carros apesar dos que temos durarem bem 16, novas colecções de vestuário de estação todos os anos, o buraco do ozono que levou a substituir todos os frigoríficos ou a necessidade de revitalizar a indústria de lâmpadas, eliminando as incandescentes.
A única diferença nesta lógica já velha da sociedade de consumo (e que a minha geração muito criticava por alturas do Maio de 68), é que o mercado assim revitalizado não é, principalmente, o dos bens de consumo mas, e pela primeira vez,... o dos bens de equipamento!

Perante estes factos (dúvidas quanto ao fundamento das alterações industriais a realizar, mas certeza quanto a essa realização), que estratégia tecnológica deverá um país sensato adoptar?

Parece-me que a resposta é clara: quanto à adopção de medidas internas mitigadoras das emissões de CO2, deverá arrastar os pés e procurar ir no meio do pelotão (ou mesmo nas últimas posições) mas, quanto à promoção das novas tecnologias e indústrias associadas a essa mitigação, deverá apostar em força, com vista à exploração das oportunidades de mercado que os países campeões da "verdura" constituem. E esta estratégia é válida quer a antropogenia do Aquecimento Global se venha a confirmar, quer não!

É evidente que, mais que qualquer outro país, é esta posição que está a ser adoptada pela China. China que, curiosamente, é um dos raros países que ainda é politicamente dirigido por uma "ideologia científica" mas que, no plano prático, se revela imune ao pós-modernismo e mantém os pés na terra dos interesses nacionais.
De facto, a China constitui um caso extremo de aposta nos mercados externos de energias renováveis com o mínimo de despesa interna na mitigação das próprias emissões, mas até ela investe na transformação industrial necessária a essa mitigação: constrói presentemente as centrais a carvão mais eficientes do mundo, instala parques eólicos em quantidade, vai montar na Mongólia interior o maior parque solar do Mundo, solar de cujos painéis entretanto assegurou a hegemonia industrial, e vai instalar metade de todas as novas centrais nucleares previstas no planeta. Na verdade, tal investimento interno é necessário como suporte a uma estratégia exportadora e além disso fica bem na "fotografia", tema a que adiante voltarei.
Ora, o que a China propõe para Copenhague será, decerto, a bottom line que a Índia, o Brasil e todos os países que ambicionam sair da miséria e serem grandes potências adoptarão: reduzir a "intensidade de CO2" da sua economia, desde que nada limite o crescimento desta!

[E a propósito de Aquecimento Global: sabem que o Brasil já tem 193 milhões de habitantes, mas que em 1900 só tinha 17 (na figura, o seu crescimento populacional)? Que a China já tem 1320 milhões (19.9% da Humanidade), mas que há 60 anos só tinha 563? Que os EUA já têm 308 milhões mas só tinham 200 há 40 anos, e que igualarão a envelhecida população da Europa das 27 nações, 500 milhões, em 2050? Europa que há um século tinha 1/4 da população mundial, hoje já só tem 1/12 e em 2050 terá apenas 1/18?...]

Face a este cenário, que estratégia tecnológica e científica deve Portugal adoptar?

Naturalmente, uma resposta a tal pergunta só pode ser política. Por isso, e que me perdoem os colegas do IST que prefeririam ler-me matérias estritamente científicas (os "engenheiros dos bits", como lhes chamava - sem ofensa! - um grande engenheiro com vocação comercial que tive por colaborador na EFACEC...), vou expor um par de reflexões sobre a problemática que dá (ou não) sentido à I&D que fazemos.

Em primeiro lugar, e como já detalhei a propósito da História da indústria de turbinas eólicas e venho repetidamente notando aqui, Portugal foi o único país que apostou em força nas energias renováveis... apenas como consumidor! As pioneiras Dinamarca e Alemanha, que lideram a produção e a tecnologia mundial de eólicas, há mais de 70 anos que desenvolvem o seu know-how no assunto, e mesmo a Espanha o começou a fazer há mais de 30 anos!
Quando esses países resolveram apostar nas renováveis há quase duas décadas, com políticas de subsidiação às tarifas, estavam de facto a subsidiar indústrias nacionais de forte vocação exportadora e capacidade empregadora, e não a endividarem-se para salvar a atmosfera do planeta como nós - além de terem dos melhores ventos da Europa, ao contrário de Portugal!
Mais clara ainda tem sido a mais recente política industrial chinesa seguida na medida do possível pela Índia, e só os EUA estão agora a deixar abrir os seus mercados à produção estrangeira, aliás com a oposição dos sindicatos, mas isso nos EUA é uma tradição permitida pela força do dólar - além do grande peso que os EUA têm nas emissões de CO2!...
E porque apostaram a Alemanha, a Dinamarca, e até antes destas, nos anos 30, a França, a URSS, os EUA e o Reino Unido no desenvolvimento da tecnologia eólica? Preocupações ambientais? Não - iniciativa industrial e preocupações geo-estratégicas!
O caso alemão é o mais paradigmático, já que foi em 1942, em plena Guerra Mundial e com uma fatal penúria de petróleo para os seus carros e aviões de combate que, como já narrei aqui, o austríaco Ulrich Ütter estabeleceu as bases da tecnologia essencial das turbinas eólicas na sua tese de Mestrado (tese à moda antiga, não como as de Bolonha). Tecnologia que depois os EUA tentaram infrutiferamente copiar nos anos 70, e que voltaria a renascer na Alemanha, nos finais dos anos 80, aproveitando várias circunstâncias favoráveis e nomeadamente o desemprego de engenheiros altamente qualificados na indústria naval em crise.
Na Dinamarca, cuja empresas Vestas domina largamente o mercado mundial destas turbinas, emprega 30 mil trabalhadores qualificados (num país com metade da população de Portugal) e exporta anualmente 4 biliões (!) de €, a tradição de fabrico de aerogeradores é tão antiga que já os faziam no início do século XX para alimentar pequenas comunidades, como nós por cá fazíamos com mini-hídricas. Naturalmente, isso era propiciado pelos excelentes ventos existentes no mar do norte. Com uma tradição tecnológica diferente da alemã, "Danish wind power development stressed incremental improvements in capacity and efficiency based on extensive serial production of turbines, in contrast with development models requiring extensive steps in unit size based primarily on theoretical extrapolation". Mas, tanto a Alemanha como a Dinamarca chegaram ao domínio que hoje têm nestas tecnologias graças a um factor determinante: experiência! Experiência e de muitas décadas!...
A Espanha iniciou-se na tecnologia eólica quando nós por cá estávamos a sair do PREC, em 1976, e mesmo os newcomers mais recentes, como a China e a Índia, começaram há mais de 12 anos e com toda a capacidade dos seus imensos recursos humanos!

Ora a estratégia de Portugal nesta matéria tem sido a de simples comprador. Estas novas tecnologias passam-nos pelas mãos apenas quando lhes importamos os frutos. Indústria para as fabricar só será possível ou se o Estado apostar aqui as suas "parcerias público-privadas" ou se vier por investimento estrangeiro.
Investimento estrangeiro em fábricas de componentes de tecnologias destas significa que é o estrangeiro quem tem os serviços essenciais que viabilizam qualquer indústria moderna: a concepção a montante, e a comercialização a jusante. Pelo que o investimento estrangeiro em Portugal nestas coisas, como na Quimonda e até na Auto-Europa (ainda assim com bastante trabalho nosso incorporado), cria tanta sustentabilidade económica em Portugal como as fábricas nos países estrangeiros para onde a nossa população tem por tradição emigrar (e de onde são deslocadas para onde for mais competitivo).

Quanto às "parcerias público-privadas" esta minha menção não passa de pura especulação, claro.
O Estado poderia ter usado o poder que as golden share lhes dá nas grandes empresas públicas para catalizar a ligação entre os restos de indústria fabricante que ainda temos e as Universidades. Mas para isso era preciso que alguém com poder de decisão nesses planos tivesse alguma ideia de como se cria know-how tecnológico industrial e que, sobretudo,  estivesse realmente interessado em criar riqueza nacional sustentável com todo o incontornável longo tempo que isso exige, e não em apresentar resultados mediáticos imediatos para efeitos eleitorais - e, de caminho, ir fazendo meras negociatas de ocasião à custa de endividamento externo e de subsídios públicos, directos ou e sobretudo "desorçamentados".
Além de tal plano, seria preciso um segundo factor essencial: um mercado nacional protegido que escoasse os produtos nacionais assim desenvolvidos e lhes fornecesse o laboratório de ensaios necessário à aprendizagem e ao aperfeiçoamento, e que lhe pagasse os custos fixos de fabrico - sobretudo os custos da engenharia de concepção. É isso que todos fazem lá fora e que se chegou a fazer cá nos anos 80, com a EFACEC. Um produto cujos custos fixos é pago pelo respectivo mercado nacional - e há muitas formas de forjar proteccionismos, mesmo num Mercado único europeu, sobretudo através de normas técnicas e de cadernos de encargos à medida - pode depois exportar-se a custos variáveis apenas!
Esta "criação" artificial de um mercado interno nacional para produtos em fase de desenvolvimento tecnológico tem também um valor promocional para os mercados-alvo, e é isso precisamente que explica parcialmente as estratégias de subsidiação pública das energias renováveis na Alemanha, Dinamarca e Espanha, e que as explica totalmente na China! Uma das melhores provas do que afirmo é o facto da Alemanha e da Espanha terem abruptamente cortado nessa subsidiação já em Maio de este ano, quando se verificou que eram os produtos chineses que estavam a ocupar esses mercados, especialmente quanto ao solar fotovoltaico - e como foi expressamente reconhecido por fabricantes alemães e hyperlinkei noutro post.
Mas não é essa estratégia que existiu em Portugal: o mercado nacional foi saturado por produtos estrangeiros e já nunca poderá constituir o referido laboratório, as tecnologias em que havia know-how  nacional tradicional deixaram-se morrer (como nas hídricas) e aquelas em que o Estado havia apostado, também (como na energia nuclear) e, por isso, vou ser franco convosco: estou dolorosamente de acordo com a análise que António Barreto faz nesta entrevista que deu recentemente ao jornal "i"!
Só nos resta esperar que os ordenados nacionais desçam tanto que venha a valer a pena aos investidores estrangeiros virem cá fabricar e dar-nos emprego, em vez de irem para a Eslováquia ou a Letónia. Ou, muito mais provavelmente e como acontece noutras paragens, que seja a nossa população que se vá indo embora, trabalhar para lá.
Uma coisa é certa: nunca e em parte alguma foram as Universidades o motor da evolução tecnológica, e não me venham com o exemplo do Sillicon Valley! I&D tecnológica académica sem indústrias a orientá-la é apenas brincar à tecnologia sustentado pelo pai-Estado.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Mais um negócio renovável, desta vez em convergência central

E não é que o Eng.º Ângelo Correia, Presidente da Foment Invest, converge com a política energética do Governo não só por opinião expressa, como pelo arrecadar de alguns euros aos portugueses, através do défice da EDP?
Pois é verdade. Acaba de ser assistido pelo Primeiro-Ministro em pessoa na inauguração da sua central solar urbana, a "maior do mundo" no seu género (que bom pertencer-se a um país de vanguarda assim!), uma central de 6 MW de " pico" cujo investimento orçou em 31 milhões de €, portanto a 5,15 mil € /Kw de "pico".
Central que, como a da Igreja de Fátima (que custou quase o mesmo por kw de "pico") só produzirá em média 15% desses 6 MW, ou 900 kW, sobretudo no Verão e só de dia, claro. Pelo que o custo da unidade de energia assim gerada superará os 40 ç/kwh, quase o triplo do que o próprio consumidor paga à EDP, mas que esta é obrigada por Lei a comprar!

Diz a notícia que esta energia dá para "abastecer 12 mil portugueses" - por uma vez, as contas estão certas. Só que não os abastece quando eles precisam, à noite...
E qual a incorporação portuguesa na central? O montá-la, o que demorou poucos meses! Quantos empregos criados? 100 durante a montagem, de Janeiro a Agosto.
Quanto à independência energética (eléctrica) assim obtida, convém não esquecer que os 31 milhões de € vieram certamente da Banca (quiçá em empréstimo politicamente bonificado), que por sua vez se financiou na Europa, a quem ficámos a dever; uma simples troca de dependências, mas se medida em €, para muito pior!...

segunda-feira, novembro 23, 2009

Quando a ciência comanda a política, a política comanda a ciência

De um modo geral, os cientistas gostam da ideia de que a política seja conduzida pela racionalidade e a objectividade da Ciência. Pensam que, com isso, se reduzirá ou mesmo eliminará a irracionalidade que tem conduzido repetidamente a História às grandes catástrofes das guerras e dos regimes baseados em fés totalitárias.
Presentemente, a teoria do Aquecimento Global antropogénico e os seus derivados políticos, nomeadamente o protocolo de Kioto de 1997 e a Cimeira de Copenhaga do mês que vem, são considerados por muitos, com satisfação, como um exemplo de como a Ciência pode conduzir boas políticas.
No caso do Aquecimento Global antropogénico há mesmo o sentimento de se estar perante a missão de salvar o Mundo!
Os europeus, em particular, sentem-se de novo na vanguarda da História, arautos desta nova e nobre missão de salvação da Humanidade, já que têm sido eles, conduzidos pela "verde" Alemanha (nunca suficientemente penitenciada dos seus crimes irracionais passados), quem tem procurado liderar o Mundo nesta nobre missão baseada na Ciência. Liderança da Europa que contribui para alimentar uma auto-estima muito abalada pela sua irrelevância político-militar e pelo imparável declínio da sua economia, da sua tecnologia e da influência da sua cultura.

Entretanto, nos últimos dias o escândalo resultante da divulgação dos emails trocados entre climatologistas defensores da teoria do Aquecimento Global antropogénico, com as confissões neles contidas das perplexidades existentes perante alguns dados empíricos e das manipulações da respectiva apresentação, veio revelar ao Mundo um facto pouco conhecido e perturbador: o de que o Aquecimento Global antropogénico não é um consenso na Ciência do clima!
Quem frequente o cyberespaço já sabia que existe uma corrente científica que nega a evidência das origens antropogénicas do Aquecimento Global. É uma corrente que não tem eco nos media e que, portanto, é desconhecida do grande público e que quase não tem aceitação nas revistas científicas da especialidade. São conhecidos por "cépticos" ou "negacionistas" e o seu "apagamento" da ribalta é muito ajudado por o negacionismo ter sido adoptado pelo Presidente Bush, cujos erros políticos muito contribuíram para desacreditar até a  simples expressão de tais posições.
De um ponto de vista estrito da História da Ciência, a existência de "cépticos" é natural e irrelevante a longo prazo, dado que a evolução da Ciência acaba sempre por resolver as dúvidas cientificamente legítimas e por estabelecer o consenso. Einstein, que enterrara de vez a fantasia do éter, também recusou a Física quântica com o argumento de que "Deus não jogava aos dados" e, até, recusara antes a consequência que o jesuíta Lemaître tirara da sua própria teoria da relatividade quanto à ocorrência de um Big Bang e, portanto, do facto do Universo não ter existido sempre!...
Os cépticos quanto às origens antropogénicas do Aquecimento Global têm, por vezes, motivações suspeitas, mas do mesmo acusam eles os "verdes", acusações a que a recente revelação dos interesses financeiros de Al Gore nas energias renováveis veio dar mais credibilidade. O certo é que, como esta revelação dos emails veio revelar, o estado da climatologia tem ainda muitas lacunas e incertezas quanto ao que, de facto, se está a passar com o clima.
Pode-se acusar os "cépticos" de, simplesmente, não quererem aceitar a novidade (como sucedeu a Einstein), mas algumas das suas críticas e teorias são, pelo menos, cientificamente curiosas. Uma delas, recente e elaborada por um Engenheiro nuclear reformado (é verdade que muitos dos "cépticos" são gente já de certa idade, o que se associa bem com a resistência à novidade) defende, por exemplo, que as alterações climáticas são essencialmente explicadas por fenómenos gravitacionais, como as marés, os ventos , a tectónica das placas e movimentos no núcleo líquido do planeta, resultantes do efeito gravitacional de natureza periódica dos astros circundantes - especialmente, na sua análise, a alteração da excentricidade da Terra pelo efeito ressonante de Saturno e de Júpiter, e o aumento de radiação solar recebida em consequência. É uma teoria curiosa porque sem dúvida que tais dinâmicas devem ter algum efeito no clima, e elas são quase universalmente ignoradas pelos climatologistas que quase sempre se limitam ao estudo da atmosfera e da superfície planetária. Pode ser uma perspectiva errada, mas o certo é que está por aprofundar.
Entretanto, no que todos os advogados da antropogenia do Aquecimento Global concordam é que há um Aquecimento inexplicável por causas naturais e que ele se correlaciona bem com o aumento do CO2 na atmosfera, e este com o crescimento explosivo da população humana ocorrido desde a revolução industrial. Mas, como não é totalmente clara a relação de causa-efeito, o que diz o último relatório (2007) do Painel Inter-governamental da ONU para as Alterações Climáticas (IPCC) é apenas: "increases in anthropogenic greenhouse gas concentrations is very likely to have caused most of the increases in global average temperatures since the mid-20th century". Para além disso são quase tudo incertezas, e mesmo o mencionado Aquecimento é questionado por muitos "cépticos" (e é aí que entram os dados e manipulações revelados pelos referidos emails). Curiosamente, já Benjamin Franklin, o inventor do pára-raios e interessado climatologista, mantinha acesas discussões epistolares com outros cientistas da época (1763) sobre as alterações climáticas então em curso, muito antes da sociedade de consumo e da explosão demográfica...
Mas mesmo aceitando a origem antropogénica de um eventual Aquecimento Global, entretanto, a determinação da importância relativa das actividades humanas que o produzirão é muito especulativa, segundo os relatórios mais recentes do próprio IPPC. As simples actividades de uso dos solos e em particular a desflorestação estimam-se como responsáveis por 1/3 do referido aquecimento, mas com uma incerteza admitida para os valores estimados de + ou - 50%!...
Obviamente, as consequências políticas internacionais de tal estimativa são enormes. Geralmente os "verdes" mais radicais tendem a ignorar, de entre as invocadas causas do Aquecimento Global, tudo o que não seja o consumo energético e os automóveis do Ocidente desenvolvido; mas, segundo o próprio IPPC, tal consumo não será responsável por mais de 40% do referido Aquecimento, como tenho divulgado aqui; ora sem uma redução das outras causas, muitas das quais resultam de tecnologias primitivas como os fogões de lenha ou o metano libertado pelas lixeiras a céu aberto do 3º Mundo, além da desflorestação criada pela necessidade de terrenos cultiváveis pelo explosivo crescimento da sua população, pouco adiantarão os sacrifícios do Ocidente desenvolvido. E, sabendo isso, é improvável que a aceitação desses sacrifícios seja consensual nos países do Ocidente onde há discussão pública destes assuntos com consequências eleitorais (o que não acontece em Portugal, como é sabido). Para já não falar na improbabilidade de grandes povos que iniciaram finalmente a saída de misérias ancestrais, como os da China, Índia ou Brasil, aceitarem qualquer sacrifício dos seus desenvolvimentos económicos.
O tempo e o aperfeiçoamento dos dados empíricos e dos modelos hão-de acabar por resolver as dúvidas científicas e criar consensos. Um grande problema, porém, poderão tornar-se as políticas que se assumem como iluminadas por esta Ciência climática.

Na verdade, quem desconhece a História está condenado a repeti-la e, por isso, é conveniente lembrar que o século XX teve dois grandes movimentos políticos que pretenderam salvar o Mundo seguindo a luz da Ciência.
Um deles ocorreu numa época em que a maioria dos cientistas acreditava que a "lei da selva" era a luta do mais forte pela supremacia e, em particular, das espécies mais fortes. Era uma convicção arreigada por todo o lado e que encontrou na Alemanha, como se sabe, a sua expressão política mais determinada e consequente: o nazismo. Poderá parecer de uma irracionalidade inconcebível, hoje em dia em que a Natureza é vista como um sistema ecológico que ilustra a "complementaridade das diferenças", o facto dos dirigentes nazis pensarem que salvavam a Humanidade ao exterminarem as "raças" inferiores, mas a eugenia era generalizadamente vista á época como um supra-sumo científico.
O outro movimento político iluminado pela Ciência foi o do socialismo científico, que pretendia construir uma nova sociedade toda ela baseada numa visão científica das relações humanas (os crentes que me perdoem o uso do pretérito).
Como é sabido, em ambos os casos as supostas Ciências transformaram-se em ideologias quando foram assumidas pelos respectivos movimentos políticos, ideologias que por sua vez passaram a Inquisições de todos os desvios ideológicos e, assim, a comandar a Ciência.
Um dos exemplos mais expressivos deste comando da Ciência pela política foi a negação da genética de Mendel e a defesa de que o meio exterior podia induzir a "adaptação" dos genes por Lyssenko (na fotografia) o que, como se sabe, além da eliminação dos melhores agrónomos russos da época causou danos profundos à produtividade agrícola soviética.
A época em que Lyssenko orientou a política de Estaline para a genética ficou famosa como exemplo das políticas científicas de apadrinhamento de incondicionais e de exclusão de desalinhados, mas qualquer analogia que se possa encontrar entre tal política e a actual promoção da Ciência e Tecnologia "para um futuro sustentável" é, naturalmente, pura coincidência.
O certo é que é preocupante a sobranceria com que na Europa os media vêm as dificuldades do Presidente Obama em convencer o Senado a apoiar a sua política climática de inspiração europeia, assim como as distâncias que os grandes países asiáticos que são a China e a Índia mantêm para com o radicalismo destas ideologias.  E se, por aquelas bandas, se vier a verificar que os rumos escolhidos são outros, esperemos bem que a Europa se não crispe e que não inicie um novo grande conflito ideológico como os que ocorreram no século XX - para afinal, daqui a 10 ou 20 anos (a perda recente do satélite que visava medir as temperaturas oceânicas atrasará esta data), as dúvidas sobre a origem antropogénica do Aquecimento global terem sido definitivamente debeladas - ou, pelo contrário, se terem revelado afinal acertadas.

sábado, novembro 21, 2009

Espanto!

Acabo de ler uma notícia no Público on-line que me deixou varado de espanto! De espanto por pertencer a um país cujo Primeiro-Ministro é capaz de dizer publicamente uma asneira como a que acabo de ler!
Transcrevo a notícia:
"José Sócrates lembrou os “progressos notáveis” dos últimos quatro anos, concretamente no caso da energia eólica, passando de cerca de 500 para três mil megawatts instalados. “Fizemos nestes quatro anos investimentos nas energias eólicas que significam duas ou três centrais nucleares em termos de produção de electricidade. E vamos fazer mais. E estamos hoje a apostar como nunca se apostou na construção de barragens”, afirmou".
É que, como já expliquei desenvolvidamente aqui, há uma fraca relação entre "megawatts instalados" e electricidade produzida, nas fontes renováveis. Em Portugal, como na maioria dos países, são precisos 4 Mw instalados de eólicas para se produzir em média 1 Mw de electricidade. Essa média é ao longo do ano - há mais vento à noite que de dia, mais no Inverno que no Verão, e em regra uma eólica passa metade do seu tempo a produzir menos de 5% da sua capacidade, embora haja algumas ocasiões em que produza acima de 90%. Em média, úma eólica produz em Portugal 25% da sua potência "instalada!
No final de Agosto, Portugal já tinha mais de três mil megawatts instalados; tinha 3430 MW. E, neste momento (Novembro), até já deve ter 3500 MW. A questão é: quanta electricidade produzem esses cerca de 200 parques eólicos e perto de 1900 aerogeradores?
Ao longo de um ano, produzem o equivalente à geração contínua de 1/4 disso, ou seja, 875 Mw (x as 8760 horas que tem um ano).
E quanto custaram os 3500 MW de potência instalada nos tais cerca de 200 parques eólicos? É fácil fazer um cálculo: o investimento das eólicas foi até ao ano passado de 1,1 milhões de € por MW instalado, estando agora mais caro por os aerogeradores terem subido de preço. Pelo que, no total, temos um investimento realizado de cerca de 3,8 biliões de € (milhares de milhões) só nas eólicas, das quais 70% para os aerogeradores e o resto para "outros custos", segundo a EWEA (a Organização Europeia das Indústrias Eólicas).
Ora precisamente por este preço podia-se ter construído uma central nuclear de 1650 MW, como se pode verificar pelos valores actuais estimados pela DOE, a Agência Americana para a Energia e que eu já citei aqui.
Em "potência instalada" tal nuclear teria menos de metade da das eólicas existentes por cá, mas com uma primeira enorme diferença: uma central nuclear funciona à sua potência nominal quase permanentemente! Descontadas as paragens para manutenção, em média uma nuclear funciona à sua potência instalada 91% do tempo. Portanto, uma nuclear de 1650 MW geraria em média anual o equivalente à produção contínua de 1500 MW, +70% de electricidade que os 200 parques eólicos já instalados em Portugal!
Uma segunda grande diferença é que o tempo de vida estimado para um aerogerador é de 20 anos, mas para uma nuclear é de 40 anos. Porém, como noticia hoje a Scientific American, nos EUA está-se a chegar à conclusão que as centrais nucleares lá instaladas podem de facto, depois de fazerem os 40 anos de idade como muitas já estão a fazer, fazer mais 50 com actualizações relativamente menores!
Ou seja, o tempo de vida de uma nuclear é incomparavelmente superior ao de uma éólica, na verdade semelhante ao de uma hidroeléctrica. Pelo que o seu custo, distribuído por todo esse tempo, acaba por produzir energia uma ordem de grandeza mais barata. Claro, há que contabilizar os 8% de custo extra para o urânio (presentemente em saldo no mercado mundial, proveniente das ogivas desmanteladas pelos acordos de desarmamento), mas tal custo extra também existe nas eólicas - em rendas pelos terrenos ocupados.

terça-feira, novembro 17, 2009

Energia e negócios

No passado sábado, o Expresso conteve uma extensa publicação sobre os investimentos em curso em energias renováveis, e também algumas notícias sobre um alegado problema das centrais nucleares francesas que poderia acontecer cá, se também tivéssemos uma nuclear.
E, no contexto da notícia, o Expresso fez-se eco das posições anti-nuclearistas do "lobby eólico", nomeadamente de algumas afirmações pouco simpáticas da parte do Eng.º Aníbal Fernandes, líder do "consórcio ENERCON" (o coração do lobby eólico), fazendo também menção a interessantes posições do ex-Presidente da República Ramalho Eanes sobre o assunto.
Não vou, hoje, fazer uma análise técnica da questão, que carece de um post prévio detalhado sobre o nuclear que ainda não tive oportunidade de escrever.
O que me traz aqui hoje é um outro aspecto que foi aflorado numa troca de comentários de outro post e que merece agora algum desenvolvimento, a propósito destas notícias do Expresso.

Como já mostrei, quando o investimento planeado pelo Governo (com o aparente alheamento de toda a oposição, aliás), para a energia "verde" estiver terminado, todo esse investimento produzirá a mesma energia que produziria uma central nuclear típica.
Com efeito, teremos 5600 MW instalados de parques eólicos em terra, mais 4640 MW de hidroeléctricas reversíveis cuja capacidade de armazenamento permitirá regularizar a intermitência do vento, solução que produzirá a potência MÉDIA (a que é proporcional a energia) de 1500 MW, sensivelmente o mesmo que uma central nuclear de 1650 MW - ou 1/4 do consumo actual de energia eléctrica nacional.
A primeira questão que quero colocar é: quanto terá custado essa capacidade de produção energética?

A partir dos números que já apresentei noutros posts, pode-se estimar que o custo será de 13,5 biliões de €: 6,5 biliões das eólicas + 5 biliões das hídricas (dos quais 2 espanhóis), e cerca de +1 bilião no investimento da REN necessário para ligar tudo em rede. Importa ainda lembrar que as hídricas poderão operar por mais de 60 anos, mas que às eólicas se atribui um tempo de vida de 20. Para pôr tudo na mesma base de tempo, admitamos os 20 anos de duração das eólicas, e com este tempo só se terá de amortizar 1/3 do valor das hídricas (aproximadamente), o que conduz ao valor de 9,4 biliões de € para a referida energia (à potência média de 1500 MW durante 20 anos).
Quanto teria custado uma nuclear que produzisse a mesma energia? Com os dados mais recentes da Administração dos EUA que já citei noutro lado, 2,7 biliões de €, tendo em conta que uma nuclear dura cerca de 40 anos e que portanto em 20 anos só há que amortizar metade do custo inicial de 3,8 biliões, +30% a amealhar para o custo do desmantelamento final, +8% para o custo do urânio e tratamento dos resíduos nesses 20 anos.
Temos, pois, que o custo extra da solução "renovável" adoptada será, para a energia dos primeiros 20 anos, de +6,7 biliões de €, não muito menos que o custo estimado do TGV, ou 2700 € por família portuguesa.

Há muitos aspectos que se podem discutir sobre isto mas hoje, e por causa do Expresso de sábado, só pretendo falar de um:
Em 2001 a Direcção-Geral de Energia, organismo integrado no Ministério da Economia, encomendou ao Instituto Superior Técnico (IST) uma proposta de regulamentação técnica para as condições de ligação à rede das renováveis, que estavam prestes a iniciar a sua instalação em larga escala em Portugal. E o IST elaborou uma proposta legislativa, acompanhada de um guia técnico de aplicação, que se limitava a conter o que de melhor, na altura, se fazia nos outros países e que se adaptava ao nosso.
Esta proposta continha prescrições que a tecnologia da época permitia cumprir e regras de cálculo para definir em que pontos da rede já existente se poderiam vir a ligar os novos produtores, de modo a lograr-se sempre a solução mais económica para todos - mas especialmente para a rede pré-existente. Estas regras de cálculo, neutras por natureza, eram essencialmente copiadas das praticadas na Alemanha, um dos países com a regulamentação técnica mais completa nestas questões.
Em todos os países da União Europeia existem regulamentos destes, a que foi dada forma de lei. O mesmo sucede nos EUA, China, etc, sendo a Espanha de todos esses países o que tem a regulamentação mais pobre, mas mesmo em Espanha tal regulamentação foi publicada em "Decreto Real".
Em 2003 a União Europeia emanou uma Directiva, a 2003/54/EC, cujo artigo 5º manda explicitamente que "Member States shall ensure that technical safety criteria are defined and that technical rules establishing the minimum technical design and operational requirements for the connection to the system of generating installations, ...are developed and made public. These technical rules ...shall be objective and non discriminatory".
Esta directiva é de 2003, e a referida proposta legislativa de regulamentação técnica elaborada no IST ficou pronta no final de 2002, mas... nunca foi publicada!
Portugal é, pois, o único país do 1º Mundo sem legislação nem regulamentação técnica sobre o assunto.
Não havendo legislação que estabeleça as normas técnicas de ligação à rede das renováveis, como são então essas coisas decididas?
Por Comissões nomeadas pelo Governo, a partir de 2003, no que respeita à selecção e aceitação dos concorrentes que são preferidos, e depois basicamente pelos critérios discricionários e casuísticos da REN, no que diz respeito a pormenores operacionais. As únicas regras que existem publicadas são comerciais.
Já por aqui postei como isto nos encaminha, do ponto de vista técnico, para prováveis "apagões", mas a dúvida que quero partilhar hoje é a seguinte: com tantos biliões de € envolvidos nisto, não seria do interesse do Governo que, cumprindo a Directiva Europeia, houvesse uma regulamentação técnica "objectiva e não-discriminatória" (nas próprias palavras da UE) que não permitisse imaginar os fantásticos negócios privados que poderá proporcionar este modus operandi que se adoptou?

quinta-feira, novembro 12, 2009

Os apagões, o nuclear e as eólicas

Há uns dias o Expresso publicou on-line um vídeo mostrando uma visita ao reactor nuclear que Portugal tem perto de Lisboa, em Sacavém, há quase 50 anos, e que a maioria da juventude desconhece que existe.
Trata-se de um reactor experimental que Portugal comprou com o intuito de adquirir know-how na matéria, e que justificou até, então, a criação da defunta Junta de Energia Nuclear, onde trabalharam alguns dos melhores "cérebros" que Portugal tinha antes da queda do regime em 1974.
Na sequência da publicação da notícia proliferaram os comentários on-line sobre o reactor e surgiu um argumento contra a opção de instalação de uma central nuclear em Portugal que fora defendido há 30 anos, na última vez que tal opção foi discutida em Portugal. Esse argumento é que uma central nuclear é tão grande que a sua avaria repentina pode "mandar abaixo" toda a rede eléctrica, provocando um "apagão".
Ora e a propósito de apagões, houve ontem um no Brasil que deixou 50 milhões de pessoas às escuras (1/4 da população brasileira), havendo quem argumentasse que tal se deveu "à falta de investimento na rede de distribuição" devida "à ganância dos accionistas". Mas, na realidade, o apagão de ontem no Brasil nada tem a ver com redes de distribuição, e ilustra precisamente o que pode acontecer quando uma grande central "salta fora" repentinamente de uma rede eléctrica.
De facto, foi a central de Itaipu, que fica na fronteira do Brasil com o Paraguai e com a Argentina, que "saltou fora". Itaipu é umas maiores centrais hidroeléctricas do mundo, de facto a maior do mundo em produção de energia, produzindo uma potência média de 11 GW, o que é quase o dobro do consumo médio de Portugal! Fornece 90% da energia consumida pelo Paraguai e quase 1/5 da consumida pelo Brasil, mas está muito longe dos centros de consumo deste país, com linhas especiais de Alta Tensão com mais de 900 km de comprimento.
Foi uma sequência (rara) de incidentes que desligou essas linhas de Transmissão e levou a central a "saltar fora" e, no seguimento, a rede "partiu-se" (algumas linhas de Muito Alta Tensão terão desligado por não aguentarem a sobrecarga pedida ao norte) e as poucas centrais que havia na rede que ficou a Sul não aguentaram o pedido de energia que lhes caiu em cima repentinamente e saltaram fora também. É aliás assim que acontecem quase todos os apagões.
Uma vez ocorrido o apagão, a reposição da rede em serviço, ligando-se uma central de cada vez enquanto se procura a causa do incidente, leva tempo - neste caso levou 6 horas, provocando o caos e obrigando a cantora Madonna, que estava no Rio de Janeiro a visitar umas favelas, a ter de ir jantar à luz das velas.
Ora uma central nuclear não pode ser pequena, em termos da potência que fornece, para ser rentável. 1,35 GW é uma potência típica. E, naturalmente, pode-lhe sempre acontecer o que aconteceu agora com Itaipu.
Porém, hoje em dia o consumo médio de Portugal é de 6,0 GW, variando entre cerca de 3,5 GW de mínimo pela madrugada, e 9,0 GW de ponta pelas 20 horas, o que é muito mais do que o que acontecia há 30 anos, quando os consumos de electricidade eram de pouco mais de 1/4 dos actuais, em Portugal. Nessa altura, o consumo nas horas de vazio (madrugada) era inferior à produção de uma tal central, cerca de apenas 1 GW, o que criava um problema ao excedente e o grande risco de, caso a nuclear se tivesse de desligar inopinadamente, toda a rede "ir abaixo" e se ter um apagão. Mas isso já não é assim hoje, e o disparo de uma nuclear teria efeitos semelhantes, na pior hipótese, aos do disparo da central de Sines (1,2 GW), que aliás já tem acontecido e "mandado abaixo" o Sul do país - mas a fiabilidade de uma nuclear é muito superior à de uma central a carvão, e por isso o risco de tal acontecer é bem menor, menos de metade. E depende muito da concepção da rede em que se insira.
Entretanto, porém, a mesma energia que produziria uma tal nuclear será produzida, já no fim de 2010, pelos 5,1 GW de centrais eólicas que estão em instalação (e de que neste momento já estarão instalados uns 3,5 GW). Ou seja, a mesma potência média de 1,23 GW que uma central nuclear de 1,35 GW produz anualmente, serão produzidos por um conjunto de parques eólicos de 5,1 GW.
Acontece, porém, que a energia eólica é intermitente. Na maior parte do tempo, não produz mais que 5% (0,25 GW) da potência instalada, mas há ocasiões, sobretudo no Inverno e à noite, em que podem produzir 90%, ou seja, 4,5 a 5 GW. E isso é muito mais que os 3,5 GW que Portugal estará a consumir nessa altura e que é a razão de ser do projecto das 8 hidroeléctricas adjudicadas, como já mostrei , que trabalharão como estações de bombagem para dar consumo a essas eólicas.
É evidente, portanto, que vamos estar, com estas eólicas a superarem o consumo das madrugadas, precisamente na situação que há 30 anos levou a excluir a instalação da nuclear de Ferrel!
Há quem argumente que a situação é diferente porque no caso de uma nuclear se perderiam 1,35 GW de uma vez, enquanto que agora temos muitas turbinas eólicas pequenas e que, portanto, o risco de se desligarem todas simultaneamente é muito menor.
Ora isto é falso, e é precisamente a principal razão de ser deste meu post hoje: o risco de "saltarem fora" de uma só vez 3 a 4 GW de eólicas é maior do que o de saltar a tal nuclear (de 1,35 GW)! E porquê? Porque:
  1. Os parques eólicos estão concentrados, na sua maioria, em zonas restritas, especialmente no Minho;
  2. As eólicas que temos não foram concebidas para suportarem perturbações na rede eléctrica a que estão ligadas, desligando-se à menor perturbação; isto acontece porque o Estado português não previu nem publicou normas técnicas que o exigissem (ao contrário de todos os outros países com eólica em quantidade significativa, e apesar delas terem sido elaboradas no Instituto Superior Técnico no início desta década). Ou seja, cada eólica e cada parque eólico dos que temos suporta muito menos perturbações na rede eléctrica do que qualquer central tradicional, incluindo uma nuclear!
Há uns anos o Instituto Superior Técnico fez um estudo da situação e verificou que, muito antes de se atingirem os 5,7 GW planeados pelo Governo, se estará numa situação em que um incidente na rede de Muito Alta Tensão da REN na região do Minho fará "saltar fora" todas as eólicas da região. E o estudo mostrou que as linhas de ligação a Espanha aguentariam o "solavanco", mas que seria a própria rede espanhola que o não aguentaria (ela própria com eólica em excesso), vindo a ser as linhas de interligação a França que disparariam por sobrecarga, verificando-se de seguida o que aconteceu agora no Brasil: desligação das centrais remanescentes, por não aguentarem a energia subitamente pedida, e "queda" de toda a rede... ibérica!
Ou seja: quando ocorrer o inevitável apagão ibérico que tudo isto prepara, já sabem o motivo! E lembrem-se que a nuclear de há 30 anos foi rejeitada em parte por isto poder acontecer, na altura, mas que agora para o eólico nenhum responsável quis saber disso...